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    Leandro Narloch

    Por que historiadores escrevem tão mal?

    13/12/2017 08h07

    Historiadores brasileiros produziram obras excelentes nos últimos anos, mas o trabalho de encontrá-las equivale ao do britânico que pretende escavar um lixão na tentativa de recuperar um disco rígido com 7.500 bitcoins. Para achar uma boa história, o interessado precisa enfrentar amontoados de estudos com abstrações incompreensíveis, palavras envelhecidas e frases cheias de resíduos descartáveis.

    Muitos professores se ressentem comigo e outros jornalistas que escreveram bestsellers de história do Brasil. Pois um bom jeito de reduzir nossa vantagem é aprendendo, por exemplo, a usar o ponto final.

    Nós jamais escreveríamos trechos como este: "A expectativa de salvaguardar a autoridade moral dos senhores, embora limitada pela legislação emancipadora que reconhecia o direito escravo ao pecúlio e, portanto, à liberdade forçada contra a vontade senhorial, também é evidenciada pela proibição legal da liberalidade direta de terceiros em ações cíveis de liberdade visando à alforria de escravos alheios, já que as ações deveriam ser dos próprios escravos."

    No idioma das teses e dissertações de história, "conseguir enriquecer" vira "agenciar estratégias de acumular pecúlio". "Amizade" muda para "laços de compadrio". Algumas palavras só existem em livros didáticos de história, e por ali abundam. É o caso de "produção manufatureira", um substituto feinho para "fabricação".

    Repare neste trecho e diga se uma pessoa normal tem prazer em encará-lo: "A narrativa, aparentemente excepcional, não se restringe entretanto a episódios da vida pessoal de Godinho, ao contrário, trata de coletivos mais amplos, constituindo-se, quiçá, em uma 'janela privilegiada' para o mundo dos homens de cor livres em diferentes localidades do império português, na segunda metade dos Setecentos."

    "Quiçá": o autor usou o termo "quiçá". Que tipo de pessoa usa o termo "quiçá", leitor? Muita pompa e pouca habilidade –eis uma causa do estilo entediante dos historiadores. Acreditam que escrever em bom português exige utilizar palavras antigas. Mas como George Orwell afirmou no ensaio "Política e Língua Inglesa", defender a língua não consiste no "resgate de palavras e fraseados obsoletos", mas em "jogar no lixo todas as palavras e expressões que esgotaram sua utilidade".

    Tudo bem que o objetivo de autores acadêmicos não é vender milhares de cópias, e sim comunicar descobertas aos colegas. Mas um pouco de clareza sempre ajuda na argumentação –e evita que os estudos apodreçam nos aterros de teses e dissertações das universidades.

    Quiçá alguns jornalistas não estejam aptos para escrever sobre história do Brasil. Mas boa parte dos historiadores não está apta para escrever sequer um recado de geladeira.

    leandro narloch

    Jornalista, mestre em filosofia e autor do "Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil", entre outros. Escreve às quartas.

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