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    Leandro Colon

    Premiê da Islândia deveria aprender com Eduardo Cunha

    05/04/2016 02h00

    É imperdível a entrevista do primeiro-ministro da Islândia, Sigmundur Gunnlaugsson, ao canal sueco SVT, realizada em março e divulgada no domingo (3). Clique aqui para ver (em inglês).

    A temperatura esquentou na gelada e pequena ilha depois que a série de reportagens "The Panamá Papers" revelou que o primeiro-ministro ocultou ligações com uma offshore sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal.

    Milhares de pessoas se reuniram segunda (4) na praça Austurvöllur, em Reykjavík, para protestar pela saída do premiê, um político de 41 anos que fez fama como apresentador de rádio. Bananas e ovos foram atirados nos muros do Parlamento.

    No cargo desde 2013, Gunnlaugsson foi surpreendido com perguntas sobre seu vínculo com a offshore Wintris Inc., criada por ele e sua mulher em 2007 com a ajuda da nebulosa empresa Mossack Fonseca.

    Scanpix/Bertil Enevag Ericson/Reuters
    O primeiro-ministro da Islândia, Sigmundur Gunnlaugsson
    O primeiro-ministro da Islândia, Sigmundur Gunnlaugsson

    A Wintris Inc. não aparece na declaração de bens que o premiê é obrigado a apresentar por ser membro do Parlamento, para o qual foi eleito em 2009.

    Antes de ser confrontado com o tema, o líder do governo afirma na entrevista que muita coisa tem sido feita para recuperar a economia depois do colapso de 2008, quando os três maiores bancos do país quebraram.

    Gunnlaugsson fala em resgatar a credibilidade do sistema financeiro e diz que o governo olha com seriedade episódios de pessoas que "enganam" a sociedade para burlar pagamentos de impostos.

    O jornalista então o indaga sobre a Wintris Inc.. Gunnlaugsson fica trêmulo, se perde nas palavras, dá uma versão confusa, e diz que é "incomum" um político da Islândia ter de responder a tal pergunta.

    Ele é questionado sobre o fato de a offshore ser credora de ativos dos bancos falidos (os créditos da Wintris seriam hoje de ao menos R$ 15 milhões) e de ele ter vendido seus 50% na empresa à sua mulher, em 2009, por US$ 1 (isso mesmo, um dólar). Constrangido, o político se levanta e abandona a entrevista.

    Num evidente conflito de interesse, Gunnlaugsson teria tomado, no exercício do cargo, medidas que beneficiaram os credores dos bancos.

    A revelação da offshore e a performance desastrosa na entrevista levaram a população às ruas e a uma pressão da oposição para derrubá-lo.

    Ele resiste e diz que não renuncia.

    Não somos a Islândia, mas temos um enredo tão ou muito mais grave: um presidente da Câmara réu na Suprema corte e que também escondeu dos pares ligações com offshore no exterior.

    Conforme a Procuradoria-Geral da República, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) é controlador de contas na Suíça e por meio delas recebeu R$ 5 milhões de propina de um esquema de desvios da Petrobras.

    Segundo a PGR, Cunha, mulher e filha usaram e abusaram do dinheiro depositado em contas secretas com restaurantes, hotéis e lojas de luxo no exterior.

    Assim como Gunnlaugsson, Cunha diz por aqui que não renuncia, mas, ao contrário do colega da Islândia, não tremula em entrevistas nem se atrapalha em versões, por mais inverossímeis que pareçam.

    Cunha age com a frieza e a tranquilidade de quem aposta que jamais será punido pelos colegas da Câmara.

    (A coluna foi escrita antes da renúncia do primeiro-ministro da Islândia, anunciada na tarde desta terça. Eduardo Cunha continua no cargo).

    leandro colon

    É diretor da Sucursal de Brasília. Foi correspondente na Europa, baseado em Londres, de 2013 a 2015. É vencedor de dois Prêmios Esso e de um Prêmio Folha de Jornalismo. Escreve às segundas.

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