• Colunistas

    Thursday, 02-May-2024 03:01:24 -03
    Leão Serva

    Prefeito construtor ou zelador?

    30/12/2013 03h00

    Se era medida sabidamente impopular, responsável por abater sua aprovação, por que o prefeito Haddad empenhou tanto esforço em aumentar o IPTU, atropelando cuidados políticos e jurídicos importantes, como os que levaram ao cancelamento da medida na Justiça? A razão principal aparecia entre as alegações da prefeitura para a alta: realizar obras prometidas na campanha eleitoral.

    Desde os anos 1920, no Brasil, os políticos fixaram a ideia de que "governar é construir". Referia-se originalmente a estradas o lema criado pelo presidente Washington Luís; foi perpetuado e ampliado com afinco por seus sucessores.

    Muitos seguiram o mandamento, sendo os mais dedicados discípulos Juscelino Kubitschek, os ditadores Emílio Médici e Ernesto Geisel, José Sarney, FHC e Lula, que elegeu a sucessora com o plano de obras chamado PAC.

    O padrão é acolhido também por políticos municipais. Paulo Maluf se tornou o arquétipo do realizador de grandes obras, especialmente viárias. Depois dele, todos os seus concorrentes procuraram imprimir a mesma imagem à sua biografia política.

    Falando só de razões republicanas, a motivação de tamanho espírito empreendedor reside na aprovação que acarreta. Maluf foi o político paulistano que por mais tempo manteve alto nível de popularidade.

    Em 2006, ao assumir o governo municipal com uma capacidade de investimento ainda menor que a da atual gestão, o prefeito Gilberto Kassab foi forçado a mostrar que a lógica não é necessariamente verdadeira. Sem dinheiro para construir e precisando realizar uma gestão marcante, mirou-se no exemplo da cidade de Nova York, que gasta a maior parte de seu orçamento com "zeladoria". Tinha também em mente, entre outros exemplos, a alta aprovação do prefeito Fernando Pimentel (hoje ministro), em Belo Horizonte, atribuída à eliminação dos camelôs do centro e à limpeza da Pampulha.

    Kassab elegeu a poluição visual como vitrine. Mas também investiu em zeladoria quando recapeou grande parte das vias; criou a Operação Delegada com a Polícia Militar e garantiu o abastecimento de remédios nas farmácias do SUS. Comparadas ao custo de grandes obras viárias, são todas realizações baratas.

    O resultado positivo foi imediato. A lei Cidade Limpa foi a principal alavanca para sua reeleição. Todas as outras ações apareceram com destaque nas razões de aprovação de sua primeira gestão, mostrando que o eleitor brasileiro pode reconhecer e premiar outro paradigma de gestor.

    No segundo mandato, Kassab manteve mais investimento para manutenção do que para infraestrutura, mas dois movimentos acabaram por eclipsar a imagem de zelador em vez de consolidá-la. Encomendou projetos de possíveis obras futuras, que foram vistas como se estivessem para ser iniciadas; e dedicou-se à construção de um novo partido político, o PSD.

    Ao tentar sucedê-lo, os principais candidatos fizeram campanhas antigas, baseadas em propostas de obras. E agora Haddad perde o apoio da cidade tentando obter dinheiro para cumprir essas promessas, enquanto descuida da limpeza e manutenção da cidade, como mostrou a Folha (22/12).

    Quem sabe em alguns anos poderemos deixar para trás a antiquada ideia de que "governar é construir" e instaurar um modelo mais sustentável, como "governar é zelar pelos bens e serviços públicos".

    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024