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    Leão Serva

    Programa de Aceleração de Apagões

    24/03/2014 17h57

    Nunca antes na história este país cometeu uma série tão grande de erros na área energética, a ponto de criar a um só tempo frequentes apagões, insegurança energética e a desvalorização da maior empresa estatal brasileira, apesar de anos de bonança econômica, reservas monetárias altas e crescimento baixo mas constante da economia. Infelizmente, torramos a grana na ampliação de todos os erros.

    O governo Dilma Rousseff caminha para deixar à história um legado semelhante ao do governo Dutra (1946-1950), que gastou com a importação de quinquilharias as maiores reservas internacionais que o país acumulara até então (nada perto do que o atual governo recebeu de Lula).

    Irônica e tragicamente liderada por uma pessoa oriunda da área energética, a administração federal se comporta como um aglomerado de feudos independentes, cada um buscando metas de curto prazo, principalmente eleitorais. Sem coordenação, todos os setores do governo deram sua contribuição para a construção desse bem sucedido Programa de Aceleração de Apagões.

    O governo que a cada interrupção no abastecimento se apressa em anunciar mais obras faraônicas de hidrelétricas (em vez de corrigir defeitos existentes), é o mesmo que há onze anos mantém resfriado o preço da gasolina, a um custo aproximado de R$ 150 bilhões. E há pelo menos cinco anos financia a compra de automóveis, tornando uma epidemia nacional os congestionamentos, que aumentaram ainda mais o consumo de combustíveis fósseis. Tudo para incentivar uma indústria automobilística que emprega cada vez mais robôs.

    Tivesse usado essa mesma montanha de dinheiro para apressar os transportes públicos sobre trilhos, o país teria gerado mais empregos e ao mesmo tempo reduziria os gastos com petróleo, congestionamentos e poluição. E ainda sobraria combustível e dinheiro para a necessária geração de energia elétrica em tempos de seca.

    A administração que planeja transformar os rios da Amazônia em uma sucessão de lagos sem peixes é a mesma que poucos meses atrás decretou a medida, tão demagógica quanto suicida do ponto de vista energético, de reduzir as tarifas de luz, incentivando um aumento de consumo quando deveria ter pedido moderação.

    Quando a presidente decidiu baixar a conta de energia dos brasileiros, as contas públicas já não estavam em seu melhor momento, como também não estavam bem os reservatórios das hidrelétricas. E a previsão de secas já era clara para os climatólogos, muitos deles trabalhando para o próprio governo.

    Mas o feudo do governo que contrata cientistas não é o mesmo que reduz tarifas de luz, nem o que financia carros ou congela a gasolina e nem mesmo o que constrói hidrelétricas (e tampouco eles falam entre si).

    Há trinta anos, o país não tinha dinheiro para financiar nenhum setor industrial como teve nos últimos dois mandatos presidenciais. Lula e Dilma poderiam ter incentivado o consumo de eletrodomésticos mais econômicos e financiado a compra de aquecedores solares para mudar a matriz do Brasil: não é sonho lunático, é ação prescrita por diversas autoridades há pelo menos 20 anos. Só a mudança dos chuveiros elétricos para outras formas de aquecimento resultaria numa economia correspondente a toda a capacidade de produção de Belo Monte e eliminaria um pico diário de consumo.

    Isso não é o pior: dois Belo Montes é o tamanho do desperdício de energia elétrica do Brasil por conta da má qualidade da rede de distribuição. Isso mesmo, 20% de nossa produção de energia se esvai a cada dia em fios e transformadores antiquados. Sua reforma criaria empregos e traria economias. Os técnicos alertaram, o Tribunal de Contas da União advertiu, mas o governo seguiu investindo apenas na oferta de novas usinas, obcecado com o aumento da oferta ou fascinado com a concessão de grandes obras às empreiteiras que financiam suas campanhas.

    O Brasil acelera rumo aos apagões, queimando reservas e destruindo o ambiente, numa tragédia ecológica e energética sem precedentes em nossa história. É esse o legado da empáfia e da surdez de um governo que se imaginou imune a erros e sem limites. Perto desse programa de aceleração de apagões, que já dura 11 anos, o escândalo da compra da refinaria de Pasadena (EUA) por U$ 1 bilhão parece apenas um pequeno erro de principiantes.

    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

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