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    Leão Serva

    Especialista questiona artigo sobre iluminação pública

    20/04/2014 16h51

    Sobre o artigo As novas lâmpadas e seus efeitos , recebi a seguinte mensagem de Alessandro Barghini, pesquisador com tese acadêmica sobre o tema, autor do livro "Antes que os vagalumes desapareçam" (ed. Annablume):

    "Li seu artigo, que é muito bem escrito e coloca o problema da iluminação artificial de uma forma clara. Como falou seu amigo, 'O urbanismo é como um 'cubo mágico'. Quando você mexe de um lado, afeta todos os outros'. De fato, mexer com a iluminação, afeta, de uma forma ou outra, todo o ecossistema.

    As respostas que você colheu dos seus entrevistados são em parte verdadeiras, em parte erradas. Explicar o porquê detalhadamente exigiria um tratado mais amplo que a minha tese de doutorado e meu livro 'Antes que os vagalumes desapareçam'. Vou procurar responder de forma sintética ao que você escreveu. Mas, em primeiro lugar, um esclarecimento: não é só a intensidade do fluxo luminoso que afeta a biosfera, mas também a cor das lâmpadas, ou o comprimento de sua onda. Os efeitos de uma luz amarela são profundamente diferentes dos efeitos de uma luz branca.

    Impacto do aumento da iluminação sobre as plantas. Realmente o fluxo luminoso da iluminação pública afeta pouco a vegetação. Na maioria das plantas o efeito da iluminação publica é mínimo, mas, ainda assim, uma luminária que ilumina de perto diretamente uma copa de árvore pode levar à morte um ramo ou até uma árvore, como aconteceu com a paineira da praça Antônio Cândido Camargo, onde um conjunto de lâmpadas a multi vapores metálicos, brancas, com forte componente ultravioleta, levou à morte da árvore nos últimos anos. Ou mesmo na avenida Queiroz Filho, na qual a alternância de lâmpadas a vapor de sódio e a vapor de mercúrio altera a florada das paineiras. São casos isolados, que fundamentalmente indicam que a iluminação pública não deve iluminar a copa das árvores, inclusive porque o fluxo luminoso acaba não sendo utilizado e serve apenas para fazer sombra.

    Mais complexo é o problema das aves. É verdade que algumas aves utilizam a iluminação artificial como proteção contra predadores. Na refinaria de Manaus, mais de cem mil andorinhas se abrigam todas as noites entre as tubulações das torres de refino justamente para se proteger dos predadores. Acontece, porém, que dessa maneira essas aves perdem a sincronização com os ciclos anuais das estações. No caso dos sabiás, que em São Paulo cantam toda a noite, incomodando os moradores, na realidade perdem a sensibilidade das estações e acabam depositando os ovos fora da época certa. Desta forma, a eclosão das ninhadas pode se dar em um período durante o qual não existem suficientes recursos alimentares para criar a ninhada e muitos filhotes acabam sofrendo restrição alimentar.

    Uma situação mais complexa se verifica com os insetos. Eles são fortemente atraídos pela luz branca. Em alguns casos, como no das mariposas, eles acabam circulando em volta das lâmpadas ou batendo nelas e acabam morrendo. As mariposas são polinizadores noturnos e a extinção desses lepidópteros pode levar à extinção de plantas, como a dama da noite, que emite seu perfume durante noite para atrair os polinizadores. Para exemplificar outros casos, os vagalumes, pela intensidade da iluminação artificial, acabam não piscando para atrair parceiros e em São Paulo já não é mais possível encontrar vagalumes, que antigamente abundavam na várzea do Parque D. Pedro e nos campos do Pacaembu, de Perdizes, dos Jardins e da Lapa.

    Uma consequência mais grave se dá com os insetos transmissores de doenças. Atraídos pela luz branca, eles se aproximam do ambiente humano e podem transmitir doenças. Em uma cidade urbanizada, como São Paulo, o problema não é muito grave, mas na periferia o problema pode ser sério, facilitando a transmissão de doenças como o mal de Chagas, a leishmaniose e a malária. Anos atrás, uma lâmpada a vapores de mercúrio colocada em uma barraca de suco de cana, em Navegantes, Santa Catarina, atraiu barbeiros no depósito de cana, e gerou um surto de mal de chagas com graves consequências sanitárias.

    Provavelmente, porém, a iluminação artificial não afeta a difusão da dengue, porque o transmissor não tem hábitos noturnos, como os barbeiros, os e os anofelinos.

    Finalmente chegamos ao homem. A luz branca, utilizada pela maioria dos LED hoje comercializados, possui um forte componente azul, com comprimento de onda de 480 nanômetros. Esse comprimento de onda afeta, no homem, mas também nos outros seres viventes, os ciclos circadianos. A associação internacional Dark Sky há anos está realizando uma campanha alertando sobre os perigos de um excesso de iluminação noturna neste comprimento de onda, porque pode levar a distúrbios metabólicos e comportamentais, e em alguns casos até a doenças degenerativas. No caso da iluminação pública, considerada a exposição limitada à radiação, o uso do LED não deve dar adito a preocupações. Existe, porém, uma segunda consequência: o fechamento da pupila no homem não é controlado pela exposição a toda a radiação incidente no olho, mas apenas na componente azul. Por esta razão, a luz branca do LED tem maior incidência no ofuscamento, especialmente nas pessoas de idade, para as quais o tempo de reação na abertura e do fechamento da pupila é maior. Com a exposição à radiação branca intensa, a pessoa perde a capacidade de perceber o entorno, especialmente nas ruas arborizadas.

    Conclusão. Sem dúvida, os novos projetos de iluminação têm aspectos positivos, principalmente no que diz respeito à altura dos postes, que, reduzidos, exercem um impacto menor sobre o ecossistema. Por outro lado, o uso dos LEDs reduz o consumo de eletricidade, contribuindo para um ambiente mais sustentável. Seria, porém, recomendável que fossem escolhidos modelos menos agressivos, com um conteúdo de radiação menor que 480 nanômetros. Por outro lado, seria também recomendável que os equipamentos instalados tivessem um teste efetivo de vida útil. Quando apareceram os primeiros LED, os fabricantes asseguravam uma vida útil de mais de sessenta mil horas. Hoje os fabricantes já são mais conservadores e, pessoalmente, encontrei instalações que, depois de menos de dez mil horas, acabavam queimando. O LED se justifica pelo menor consumo de energia e pela maior vida útil, se a vida útil prometida pelos fabricantes não for assegurada, a troca pode não valer a pena.

    Finalmente, utilizamos iluminação pública intensa só onde é efetivamente necessária e deixamos os poucos espaços livres da cidade isentos deste impacto antrópico.

    Por sua documentação, coloco as referências bibliográficas:

    Alessandro Barghini: "Antes que os vagalumes desapareçam, ou o impacto da iluminação artificial sobre o Ambiente", editora Annablume

    Alessandro Barghini: "Influência da iluminação artificial sobre a vida silvestre: técnicas para minimizar os impactos, com especial enfoque sobre os insetos", tese USP, disponível em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/41/41134/tde-13062008-100639/pt-br.php

    Alessandro Barghini; Bruno A.S. de Medeiros: "Artificial Lighting as a Vector Attractant and Cause of Disease Diffusion, Environ Health Perspect 118:1503-1506" (2010). Disponível em http://ehp.niehs.nih.gov/1002115/

    Atenciosamente,

    Alessandro Barghini"

    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

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