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    Leão Serva

    Praga mata árvores na serra do mar

    DE SÃO PAULO

    19/05/2014 03h00

    Nos últimos meses, quem sobe ou desce a Serra do Mar por uma das estradas que leva ao Litoral Norte pode ter notado um problema que assusta pescadores e moradores da região e intriga cientistas: no meio da exuberante Mata Atlântica que cobre a cadeia montanhosa, há muitas árvores secas. O problema é particularmente visível às margens da rodovia Rio-Santos (SP-55), na região de São Sebastião. Mas também pode ser visto em outros municípios como Ilha Bela e Caraguatatuba.

    Árvores apareceram secas no verão de 2012/13 e desde então, vieram todas as outras estações, passou de novo o verão e mais árvores morreram, mostrando que há uma praga atacando a floresta remanescente.

    As vítimas são chamadas Guapuruvus, que os índios e pescadores usam para fazer barcos. Sua associação como matéria prima para embarcações é tão antiga a ponto de estar inscrita no nome: em tupi-guarani, a palavra quer dizer "canoa que brota da terra". O martírio da planta foi notado ao longo dos últimos meses por ambientalistas e está sendo estudado, até agora sem uma conclusão.

    O que se sabe é que uma doença ataca os Guapuruvus há mais de um ano; que está relacionada à superpopulação de uma espécie de besouros que já existia na região. Segundo o Diretor Técnico em Pragas Urbanas do Instituto Biológico, Francisco Zorzenon, um dos agentes desse contágio é o besouro do gênero Platypus.

    Uma preocupação latente dos agentes públicos não é só com a morte dos Guapuruvus, mas também com a sua queda. Fracas, as árvores estão com um risco de queda maior do que já tinham. "Muitas delas ficam em regiões urbanas ou mesmo na beira da estrada, de modo que sua queda pode gerar estragos significativos", disse à coluna o Secretário do Meio Ambiente de São Sebastião, Eduardo Hipólito.

    Os impactos sociais não param por aí. O engenheiro agrônomo da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral, Maurício Alves, conta que "alguns pescadores estão desesperados" com a praga. Eles se utilizam da madeira do Guapuruvu para fazer canoas e, sem elas, perdem acesso a um instrumento básico de trabalho. Segundo Alves, alguns já falam até em "final dos tempos" e buscam outras árvores para produzir seu meio de locomoção. Outros conseguem reaproveitar alguns dos Guapuruvus mortos, alegando que ainda há árvores em condições de uso.

    O que intriga os estudiosos é que o processo de morte das árvores envolve dois personagens autóctones da floresta: o besouro e um fungo conhecido como Fusarium. O primeiro carrega consigo o segundo que, causador de doenças nas árvores, as infecta e mata. A hipótese mais provável é que o besourinho esteja perfurando as cascas dos troncos das árvores, adentrando o tecido da planta e inoculando o Fusarium ali dentro. Ainda sem diagnóstico, as árvores, os fungos e os besouros continuam em processo de análise.

    Segundo Maurício Alves, há notícias de uma ocorrência semelhante 70 anos atrás, em Ubatuba, o que sugeriria um episódio cíclico. Mas não há notícias de uma solução para o problema, na época, como hoje. A reaparição septuagenária deixou alguns anciãos ressabiados. Isso porque o folclore popular, representado na obra de Monteiro Lobato, conta que 70 anos é a idade máxima do personagem Saci e que o peralta, depois que morre, vira um fungo conhecido como Orelha de Pau. Ainda não se sabe se a causa mortis das árvores tem relação com esse fungo especificamente. Mas aos adeptos do misticismo caboclo, parece plausível.

    Possibilidades não faltam, e há também hipóteses de que a causa da proliferação infecciosa seja ambiental e tenha sido gerada por mudanças climáticas. Enquanto a ciência não dá uma boa explicação para o caso, alguns já se agarram às histórias do folclore tupiniquim.

    Colaborou Maria Shirts

    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

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