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    Leão Serva

    Viajando de ônibus com o crime

    DE SÃO PAULO

    26/05/2014 02h00

    Além de transtornos para a população, a greve de ônibus em São Paulo trouxe à tona informações sobre investigações policiais sigilosas em torno da contaminação do transporte público por grupos criminosos.

    O que apareceu na polêmica entre os secretários Jilmar Tatto e Márcio Aith foi só um fragmento. O conjunto das apurações mostra que milhões de paulistanos podem estar "viajando com o inimigo" diariamente.

    Sobre o sindicato dos funcionários das empresas de ônibus, muito se falou nestes dias do histórico de disputas resolvidas a bala, com 16 mortos em 20 anos, e líderes presos: em 2003, por acusação de formação de quadrilha e enriquecimento ilícito, 18 diretores foram detidos.

    Entre eles, os dois candidatos à presidência na mais recente eleição, Isao Hosogi e José Valdevan de Jesus, o vencedor.

    Em outra área do sistema, desde 2004, a polícia e o Ministério Público investigam a influência de organizações criminosas nas cooperativas (chamadas "permissionárias") que operam linhas locais.

    Enquanto as apurações caminharam lentamente, essa presença se consolidou e ganhou conformação empresarial.

    Também aumentou a fatia de passageiros que o setor transporta: há dez anos, as empresas ("concessionárias") faziam 70% das viagens com Bilhete Único; hoje as cooperativas levam mais da metade. Disputam um bolo de R$ 6 bilhões ao ano.

    O Gaeco, grupo do Ministério Público especializado em crime organizado, tem inquéritos sobre ligações de facções ("principalmente o PCC", disse um promotor à coluna) com quatro das nove cooperativas que exploram o transporte local nas oito áreas da cidade.

    Não quer dizer que sejam só as quatro. É que nessas os indícios sobejam. Ou seja, quase metade das permissionárias têm suspeita de vínculo com o crime.

    Desde que a administração Marta Suplicy (2001-2004) fez os donos de vans ilegais se formalizarem em cooperativas, vem ocorrendo uma concentração: "perueiros" independentes são forçados a vender os veículos e virar empregados.

    Mas quem os adquire não registra o negócio, não passa documentos para seu nome. Quem vende, tampouco abre o bico. O silêncio dificulta a apuração.

    Uma novidade surgiu a partir de 2012, quando suspeitas de trabalho análogo à escravidão levaram o MPT (Ministério Público do Trabalho) a investigar as cooperativas.

    Constatou-se haver mais veículos circulando do que cooperados ou empregados (ou seja, há muitos donos não identificados e trabalhadores não registrados).

    O MPT exigiu que as cooperativas registrassem os trabalhadores como celetistas e que a prefeitura alterasse seus contratos e cobrasse o registro dos funcionários.

    As conclusões do MPT ajudam o Gaeco a entender o negócio.

    Também impressiona a influência política das cooperativas: quatro a cinco vereadores paulistanos são ligados a elas, como Senival Moura, o mais votado do PT.

    Ele é irmão do deputado Luiz Moura, citado por Márcio Aith como flagrado pela polícia em reunião na presença de representantes do crime organizado, na cooperativa que controla na zona leste.

    A polícia investigava incêndios de ônibus (em geral de empresas -http://folha.com/no1413128).

    A bancada das cooperativas é quase 10% do Legislativo, ombreia com muitos partidos. Em algum momento, pode querer eleger o presidente da Câmara, segundo na ordem de sucessão do prefeito.

    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

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