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    Leão Serva

    A Copa dos sem-teto com teto

    DE SÃO PAULO

    23/06/2014 03h00

    Guilherme Boulos é líder de movimento de sem-teto com teto. Não é o único. Move-se por solidariedade de classe, dizem. Mas essa dissociação entre os motivos e a causa leva Boulos a liderar invasões que contradizem frontalmente os interesses habitacionais de seus liderados. Se seu motor fosse o teto, o mapa das ocupações seria inteiramente outro.

    Como já tem teto, Boulos pode juntar outros motivos a sua causa: o apoio a metroviários em greve, a destruição de áreas de mananciais destinadas a parques, os protestos contra a Copa do Mundo, o capitalismo etc. Qualquer causa é motivo para agitação. Em resumo, suas preocupações habitam outros tetos: o norte das ações segue as regras de marketing político.

    "Não é o teto, estúpido", mas as manchetes de jornal. Parafraseando a novela da Globo (sobre o piscinão de Ramos), para Boulos, cada invasão é um flash...
    As organizações de sem-teto arrecadam muito dinheiro, tanto daqueles que pagam mensalidades na esperança de um dia conseguir um teto quanto de outros que tendo obtido lares seguem pagando contribuições.

    Fossem malandros, líderes de sem-teto com teto poderiam usar esse dinheiro em benefício próprio, como donos de administradoras de imóveis, por assim dizer. Com os fundos arrecadados em anos eleitorais, os mais ideológicos poderiam até pagar campanhas para deputados, por exemplo.

    O fato é que não há relação direta entre a propriedade de teto e a condução dos sem-tetos. Mesmo com teto, Boulos e outros seguem "sem teto".
    Há algumas décadas os estudiosos de urbanismo se deram conta do erro trágico cometido ao longo do século 20, quando bairros residenciais se espalharam para longe dos centros. Classes privilegiadas se atraíam por subúrbios bucólicos, os pobres eram empurrados à periferia pelos baixos preços da terra.

    E hoje ambos se igualam no tempo e nos custos de deslocamento. Em São Paulo, Alphaville e Granja Viana são exemplos de guetos urbanísticos como Guaianazes, Itaquera e Cidade Tiradentes.

    Por isso, um dos poucos consensos entre quem pensa a cidade -sejam ricos ou pobres, esquerda ou direita- é o foco no centro, a junção entre moradia e oportunidade de trabalho, a redução dos deslocamentos. Os paulistanos de qualquer matiz viram isso na campanha eleitoral de 2012, quando todos os candidatos defenderam soluções para recuperar e adensar o centro, onde está a imensa maioria das oportunidades de emprego.

    Se pensasse no teto de seus militantes, Boulos abriria o mapa de São Paulo e, enquanto todos os olhos se distraem com a Copa na zona leste, apontaria para o centro. Mas como tem teto e seu objetivo é ocupar a mídia e habitar manchetes, ele conduziu a galera para uma área verde perto do Itaquerão. Flash!

    Nesse contexto, o pior que poderia ocorrer a seus liderados está acontecendo: administradores públicos, ansiosos para proteger a
    Copa e suas imagens, prometem desapropriar o terreno invadido em Itaquera e destiná-lo ao movimento de Boulos.

    O prefeito Haddad, pensando em política e não em programas habitacionais, e a presidente Dilma, criadora do "Minha Casa, Minha Vida, Meu Fim de Mundo" (que financia unidades habitacionais na estremadura das cidades) querem fixar os sem-teto em Itaquera. Serão mais alguns milhares com teto e também com quatro horas de ônibus por dia...

    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

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