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    Leão Serva

    Jucá e a sombra de Sarney

    30/06/2014 11h20

    Na charge da Folha de 26 de junho, Sarney anuncia que vai embora. E completa: "Mas minha sombra fica". De todas as sombras do ex-presidente maranhense que encerra a carreira como senador pelo Amapá, a mais sombria é Romero Jucá, que sob seu poder se nutriu até se tornar o principal oligarca de Roraima.

    Como Sarney, Jucá nasceu em um Estado mas desenvolveu carreira política em outro mais fácil de se eleger: pernambucano, está no terceiro mandato de senador por Roraima, com menos votos do que o necessário para eleger vereadores na cidade de São Paulo. Foi pela mesma facilidade que Sarney mudou seu curral eleitoral do Maranhão para o Amapá.

    Jucá começou a carreira pública como funcionário da prefeitura de Recife e depois do governo do Estado sob administração de Marco Maciel, no início dos anos 1980. Após a ditadura, com Sarney presidente e Maciel ministro da Educação, foi para Brasília. Dirigiu o Projeto Rondon, ligado ao MEC. Em 1986, Maciel, na Casa Civil, o nomeou presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai).

    Sua gestão foi marcada por polêmicas. Sob o argumento de racionalizar e descentralizar a gestão, inflou escritórios regionais (em Recife, sem índios, havia 400 funcionários). Defendeu a exploração de recursos naturais nas terras dos índios e autorizou contratos ilegais com madeireiras. A guisa de reduzir o garimpo ilegal, fez convênio para organizar a exploração empresarial de minérios em áreas indígenas; mas subitamente, 20 mil garimpeiros invadiram a área dos Yanomami, em Roraima. Em Jucá, como no "Fado Tropical" de Chico Buarque, é grande a "distância entre intenção e gesto".

    Quando o Tribunal de Contas da União pediu intervenção na Funai, em 1988, Sarney o nomeou governador de Roraima (ainda território federal). O número de garimpeiros passou a 40 mil. Milhares de índios morreram por epidemias levadas pelos não-índios, a tragédia chamou atenção da imprensa internacional e o presidente Collor mandou tirá-los a força. Hoje são cerca de 1,5 mil.

    Em 1994, elegeu-se senador e desde então foca as articulações de bastidores. Mas segue atento aos minérios das terras indígenas. Atualmente está em análise o Projeto de Lei 1610/96 de sua autoria para regulamentar a atividade de exploração mineral nessas áreas. Enquanto a matéria avança no Congresso, uma empresa mineradora foi registrada em Roraima em nome de sua filha.

    O garimpo leva doenças aos índios. A Secretaria de Saúde Indígena, federal, vive problemas de gestão que agravam a mortalidade. Gasta metade do orçamento com empresas terceirizadas de aviação. O Ministério Público Federal investiga os contratos e as ligações de seus donos com a oligarquia política.

    Jucá reproduz a trajetória de Sarney no Senado. Como o criador, a criatura assiste às trocas de presidentes e partidos e empresta ao poder do momento sua capacidade de articulação.

    O Brasil do século 21 vive a mesma crise política estrutural do início do século 20. Cem anos, seis constituições e duas ditaduras depois, as aparências mudaram mas as essências seguem: oligarquias regionais dominam os Estados mais pobres e juntas impõem seu controle sobre o poder central. Sarney vai embora deixando Jucá, sua sombra.

    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

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