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    Leão Serva

    Quem roubou metade do Ibirapuera

    25/08/2014 03h00

    Desde a década 1880, governantes de São Paulo começaram a planejar a criação de um grande parque na região do Ibirapuera. Ele só ficou pronto 60 anos atrás. Ao longo de sua existência, no entanto, o que deveria ser um pulmão da cidade teve sua área espoliada por diversos tipos de ocupação ilegítima. A área original, de 3 milhões m2, está reduzida a cerca de 1,2 milhão m2. Inúmeros interesses públicos e privados se beneficiam de áreas que deveriam ser destinadas ao verde e ao lazer dos paulistanos.

    Os ocupantes são pessoas entidades ligadas ao poder público ou ao terceiro setor, empresas ou pessoas físicas. O Exército, a Assembleia Legislativa, o hospital Dante Pazzanezze e uma unidade do hospital Einstein, o Centro Acadêmico 11 de Agosto, o Clube Círculo Militar, empresas como a agência de publicidade F-Nazca, além de inúmeras famílias, geralmente ricas. Todos se beneficiam de áreas tiradas do uso público.

    O parque foi planejado por um grupo liderado por Oscar Niemeyer, já então reconhecido como gênio da arquitetura brasileira. Inaugurado pelo prefeito Janio Quadros em 21 de agosto de 1954, parecia tão grande que logo o poder público começou a autorizar o uso privado de várias áreas, sempre decepando nacos do verde para outras finalidades. (Veja mapa da área original em http://goo.gl/j5AnE5 ).

    Por muitos anos, os prédios do parque foram usados por repartições públicas: a Prefeitura, o Detran, a Prodam etc. Os órgãos do executivo municipal e estadual deixaram os prédios a partir de 2005.

    Outras ocupações, no entanto, continuaram. Quem passa pela avenida República do Líbano talvez pense: que maravilhosas essas casas particulares cujos terrenos dão fundo para o parque, hoje alugadas para empresas como a F-Nazca e o hospital Einstein. A mesma coisa ocorre com as casas e as vilas bucólicas no lado par da avenida Quarto Centenário. Pois essas propriedades estão implantadas sobre áreas do Parque Ibirapuera.

    Quem percorre a avenida 23 de Maio no sentido bairro-centro talvez não se dê conta de que toda aquela área em volta do antigo prédio do Detran, onde hoje está o Museu de Arte Contemporânea (MAC), foi concebida como parte do Ibirapuera. Mas ao longo das décadas ali se instalaram o Centro Acadêmico 11 de Agosto e o Hospital Dante Pazzanezze.

    Quem segue pela av. Pedro Álvares Cabral em direção ao Obelisco, vê em seguida à direita os muros altos do Círculo Militar; parece até uma área privada. Mas não, o clube defende-se na Justiça contra ação em que a Prefeitura pede imediata devolução da área pública ocupada há décadas. Também a Assembleia Legislativa, o prédio que parece uma caixa de sapatos na quadra seguinte, se beneficiou da falta de liberdade de imprensa durante o regime militar para, em 1968, ocupar sem críticas um pedaço do parque, incluindo um imenso estacionamento para carros de chapa branca. Em 2007, Prefeitura e Assembléia assinaram um protocolo para devolver ao menos a garagem para uso público, mas até agora nem um paralelepípedo foi removido.

    Não foi por mera coincidência que no mesmo simbólico 1968 (o "ano que não terminou"), o Segundo Exército levou seu quartel general para aquela área que deveria ser um espaço de uso público. Desde então, muitas atividades militares (como treinos de tiro etc.) não podem ser feitas numa região da cidade que se adensou. Grande parte do terreno ocupado pelo Exército está ociosa. Mas até hoje não se falou de devolver a área ao lazer do povo.

    Além dessas "privatizações", também o trânsito conspira contra o parque preferido dos paulistanos. Em 1954, nas vias públicas dentro e em volta do parque passavam poucos carro. Hoje, grandes avenidas rasgam os jardins, impedem a travessia de uma área para outra. Com isso, o público que às vezes lota o gramado em torno da Bienal não consegue chegar à praça do Obelisco. O trânsito também separa do parque o "Monumento do Empurra" (homenagem aos bandeirantes) e os jardins em torno das ruas da região (Brigadeiro Luís Antônio, Manuel da Nóbrega, Abílio Soares e rua Curitiba).

    Quem sabe agora que o parque faz aniversário, tantas entidades e pessoas físicas não decidem dar um presente à cidade, devolvendo as áreas que ocupam ao uso público.

    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

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