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    Leão Serva

    Minhocão e seus vizinhos

    29/09/2014 02h00

    A pesquisa sobre o Minhocão publicada na Folha da última terça (23) é certamente precisa quanto à aferição dos dados, como costuma ser o instituto. Mas tem um defeito metodológico importante: faltou identificar e medir a opinião de grupos de interesse conflitantes dentre os habitantes da cidade, o morador da região e quem usa a via.

    O Datafolha perguntou a toda a cidade, inclusive a quem nunca o viu, o que acha do monstrengo arquitetônico que degradou o centro e segue torturando seus vizinhos, enquanto beneficia alguns paulistanos de outras áreas da capital.

    Esse não é um bom método para avaliar uma questão controversa. É como se perguntassem a eleitores do Amazonas quem eles preferem para governador de São Paulo.

    Quase a metade dos 11 milhões de habitantes da cidade (42%) nunca passou pela via elevada; entre os 56% que a conhecem, há quem a tenha utilizado poucas vezes na vida e quem a use frequentemente. Há quem more ao lado da avenida e sofra diariamente com ela e os que moram longe e só se beneficiam de sua existência por alguns poucos minutos indo ou voltando de casa.

    Todos opinaram indistintamente. Faltou ponderação: quem usa o Minhocão é só um trisquinho da população, muito menos gente do que são os moradores por ele prejudicados.

    A cidade não é homogênea. Ao não identificar os grupos de interesse específico, a pesquisa reproduz a visão autoritária segundo a qual, em nome de um suposto interesse coletivo, o poder público pode destruir bens e qualidade de vida de 200 mil pessoas, como foi o caso do Minhocão durante a ditadura.

    Foi contra isso que se levantaram, em recente audiência pública na Câmara Municipal, os representantes de moradores da região, até então calados. Eles disseram não querer nem mesmo o "parque Minhocão", que seria agradável só a quem mora longe. Para quem vive ali, disseram, a única solução é a derrubada.

    Mesmo que o prefeito Fernando Haddad (PT) não queira bulir com a questão agora –ainda mais depois da divulgação da pesquisa do Datafolha–, em um debate sobre os efeitos do Minhocão, como outras questões urbanas correlatas, é preciso ouvir a opinião específica de quem é afetado diretamente.

    O que os 42% de paulistanos que jamais olharam o Minhocão dizem quando defendem preservar a via expressa? Manifestam uma opinião, importante por certo. Mas, como diria Freud, é preciso interpretar seu pensamento. Jamais tomá-lo ao pé da letra ou igualá-lo às vítimas do elevado, como fez o Datafolha.

    DILMA E A AMAZÔNIA

    A presidente Dilma Rousseff (PT) mentiu sobre a destruição da Amazônia durante a sua rápida passada por Nova York, durante a Conferência de Clima da ONU. Não houve um "aumentinho do desmatamento em 2013", como ela disse à imprensa, sem ser contestada. Houve, sim, um crescimento de 29% entre 2012 e 2013 (dados do programa Prodes, do Inpe), em um movimento consistente de alta que se mantém (cf. programa Deter, do mesmo órgão oficial).

    Embora menor do que antes de 2008, o desmatamento é muito alto: a cada ano, ainda some uma área igual a quatro cidades do Rio. Só seria motivo de comemoração se a queda continuasse, o que já não ocorre há dois anos. E mais: Dilma errou ao acusar Marina Silva (PSB) de mentir sobre o fato.

    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

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