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    Leão Serva

    Haddad quer inaugurar mas depois não cuida

    09/02/2015 03h00

    Na semana que passou, o prefeito de São Paulo participou da inauguração de grafites nos chamados "arcos do Jânio", conjunto arquitetônico tombado às margens da avenida 23 de Maio, no Bixiga. A novidade provocou polêmica por alterar o visual do patrimônio histórico. Ainda durante a semana, a Folha mostrou que enquanto bate bumbos para saudar a novidade, a gestão Haddad deixa abandonado um mural de grande valor artístico de Clovis Graciano, no mesmo corredor viário, alguns quilômetros adiante na mesma avenida.

    Sobra energia para inaugurar e falta cuidado com o que já existe. Essa tem sido uma marca da gestão de Fernando Haddad: não há zeladoria.

    No dia do aniversário da cidade, o prefeito publicou na Folha o artigo "Caminho para o futuro". Era um texto particularmente importante para ele: a data coincide com seu próprio aniversário e marca o início do terceiro ano de mandato, momento de realizar aquilo que pode fixar em sua imagem para estar bem na memória dos eleitores no ano que vem.

    No sétimo parágrafo, Haddad fez menção a uma importante questão de concepção administrativa: "É uma falsa dialética contrapor a prefeitura-zeladora, que coleta impostos, tapa buracos e recolhe lixo, à prefeitura-planejadora, que inova e olha a cidade do futuro".

    À primeira vista, parece óbvio que o "prefeito zelador" não precisa deixar de fazer planejamento, como diz o texto. No entanto, há sim uma contradição entre o arquétipo do administrador que cuida acima de tudo da manutenção dos bens e qualidade dos serviços públicos e o do "prefeito construtor", para quem a necessidade de investir em novas obras é o motor do desenvolvimento. No Brasil, predomina a ideia expressa no lema do presidente Washington Luiz (1926-30), segundo o qual "governar é construir estradas".

    A julgar pelo que fez na primeira metade de seu mandato, Haddad não foi nenhum dos dois. Nos primeiros anos de governo, São Paulo contou com o maior orçamento da história da cidade, embora com uma capacidade de investimento em obras de apenas 10%. Haddad passou o tempo todo reclamando da falta de recursos para realizar. Referia-se, claro, à dificuldade de construir.

    As despesas de zeladoria estão predominantemente incluídas como serviços e custeio no orçamento, custam pouco mais do que os salários do funcionalismo e algum material. Mesmo assim, a manutenção foi paralisada. Faltou gestão, não dinheiro: a varrição de ruas piorou; o recapeamento de vias foi suspenso; não houve a manutenção do sistema de microdrenagem (limpeza de bueiros e córregos) para evitar alagamentos quando chegaram as chuvas de verão; a fiscalização de posturas municipais (lei cidade limpa, comércio ilegal, etc.), que só custa os salários dos fiscais, foi paralisada. E cortes na vigilância sanitária deixaram a dengue crescer.

    Nas condições objetivas atuais dadas no país, construir obras públicas exige sempre a participação das grandes empreiteiras que são coadjuvantes recorrentes de escândalos de corrupção em empresas e órgãos públicos. E mesmo que as obras sejam feitas na mais absoluta lisura, investimentos em obras viárias são desperdício de dinheiro público, pois resultam sempre em mais caos e congestionamentos, menos mobilidade, ao contrário do que pregam os "prefeitos-construtores".

    Haddad intui isso: basta ver o sucesso de público e crítica que obteve com as faixas exclusivas de ônibus e ciclovias, sem obras de maior monta. Outro dado interessante: sem realizar grandes obras viárias, viu os congestionamentos crescerem menos do que em todos os anos anteriores, como cita no artigo. Mas isso não foi coincidência: os congestionamentos de 2012 e 2013 foram causados pelas grandes obras viárias inauguradas em 2010, cujo prazo de benefício venceu cerca de dois anos depois.

    Os dois dados juntos provam que ele não precisa vestir a carapuça de "engenheirão" para recuperar a popularidade, não necessita de arrecadação e construções para ser bem avaliado pelo eleitor: basta zelar pela cidade. As obras de arte são apenas um exemplo: cuidar dos murais existentes antes de inaugurar outros tantos que vão se degradar por falta de manutenção.

    Pode não haver contradição teórica entre zeladoria e planejamento. Mas Haddad até agora não foi um prefeito zelador. E enquanto não for, viverá sedento de mais impostos para poder fazer obras. E os fundos, com a recessão, vão minguar.

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    Você notou um aumento de ratos em sua casa ou na casa de familiares? Pensou que era só com você? Não, tem mais gente reclamando em São Paulo. Se tem um caso a contar, poste um comentário na página facebook.com/malditosfios. Por favor, lembre de mencionar a área da cidade a que se refere.

    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

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