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    Leão Serva

    Vai para o SUS, ministro!

    02/03/2015 02h00

    A cena em que pacientes do hospital Albert Einstein vaiam o ex-ministro Guido Mantega e gritam "Vai para o SUS" foi das mais comentadas da semana. Gravação de celular caiu nas redes sociais. Enquanto uns chamaram o ataque de "fascista" e outros aplaudiram, vaiadores e vaiados revelaram desinformação sobre a saúde pública.

    Ao imprecar que o ex-ministro se trate em hospitais públicos, pacientes do Einstein trataram o Sistema Único de Saúde (SUS) como punição. Ao buscar tratamento em hospital particular, o ex-agente público reforça o estereótipo negativo. Ambos estão errados.

    A história provavelmente reconhecerá Guido Mantega como o pior ministro da Fazenda que o Brasil teve desde 1889. Até porque o outro candidato ao título, Pedro Luís Correia e Castro, liderou as finanças só em parte do mandato do presidente Eurico Dutra (1946-1950), não sendo o responsável exclusivo pela debacle econômica da época. Ao sangrar as economias do país para garantir popularidade à presidente, forjando uma falsa bonança, Mantega repetiu o equívoco da era Dutra. É natural que seja vaiado. Mas fazê-lo na antessala de hospital, diante da doença em família, desonra vaiadores e quem os aplaude.

    O mais surpreendente no caso é imaginar que tanto quem vaiou quanto o ministro vaiado poderiam deixar o saguão do caro hospital privado, deslocar-se 15,2km, para ser tratados pela mesma equipe do Einstein, com equipamentos escolhidos e mantidos por ela, em atendimento gratuito, no hospital municipal do M'Boi Mirim. Do SUS!

    Na mesma zona sul da cidade, o Hospital estadual do Grajaú, também público, é gerido pelo Sírio Libanês, outro paulistano na lista de melhores e mais caros. Vários dos principais hospitais particulares de São Paulo administram hospitais públicos, graças à lei das Organizações Sociais (OSs), implantada no governo Mario Covas (1994-2001) e, na capital, na gestão Serra-Kassab (2005-2008).

    Mantega e os presidentes Lula e Dilma (que se tratam na oncologia do Sírio), como também Alckmin, Haddad e outros administradores públicos, poderiam tratar-se no SUS. Não como punição ou demagogia mas usando seu poder de influência para mudar a imagem da saúde pública. Seriam bem tratados e mostrariam que hoje, em São Paulo e outros lugares do país, ela tem atendimento de bons hospitais particulares. Fariam muitas famílias de classe média economizar o que gastam com planos de saúde, motivadas por uma imagem falsa.

    Há no entanto duas ameaças à qualidade do atendimento público em saúde. Uma é estrutural: desde o governo Lula, a União vem usando artifícios legais para reduzir progressivamente repasses para o SUS, deixando custos crescentes para Estados e municípios. A crise econômica pode levar o governo a cortar mais gastos, quebrando o sistema.

    Outra sombra é uma http://goo.gl/4ZiN0i ação que questiona a constitucionalidade da lei das OSs. Proposta em 1998 pelo então deputado José Dirceu (PT), ela aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal. A eventual anulação da lei provocaria retrocesso de 20 anos. A partir de então, governantes de direita e esquerda estariam certos ao buscar os hospitais caros para seu tratamento, a classe média seria forçada a manter os atuais custos com planos de saúde e os pobres ficariam condenados a um SUS sem a qualidade da medicina privada.

    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

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