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    Leão Serva

    'Boa notícia': Guarulhos contesta coluna

    10/08/2015 02h00

    A empresa de saneamento básico de Guarulhos enviou uma carta à Folha, assinada por seu superintendente, Afrânio de Paula Sobrinho, em que contesta referência que fiz à cidade no artigo publicado na semana passada nesta coluna. Uma versão mais curta foi publicada na quarta, 5, no "Painel do Leitor" .

    Esta é a íntegra da carta enviada.

    "O colunista Leão Serva comete equívoco em seu artigo Boa notícia , publicado nesta segunda-feira, dia 3, ao citar que 'Guarulhos despeja praticamente todo seu esgoto, sem tratamento, no Tietê'. Ao contrário, a cidade tem três Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs) em operação; as obras do Programa de Tratamento de Esgoto de Guarulhos são realizadas desde 2008 com recursos próprios e do Governo Federal. As três ETEs que estão em operação foram construídas sem recursos do Governo do Estado.

    "Os subsistemas de tratamento São João, Bonsucesso e Várzea do Palácio - cujas ETEs entraram em operação, respectivamente, em 27 de setembro de 2010, 11 de dezembro de 2011 e 30 de junho de 2014 - respondem por 50% dos esgotos. O Saae estabeleceu em 2014 uma parceria com a iniciativa privada, na modalidade concessão administrativa, para complementação dos sistemas de tratamento de esgoto; até 2017, cumpridos os termos desse acordo, 80% dos esgotos deverão ser tratados. Com relação à coleta de esgoto, o índice de cobertura saltou de 65%, aproximadamente, na década passada, para 83,99%, de acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) ano 2013.

    "Para comprovar os avanços, vale mencionar que Guarulhos subiu oito posições no novo Ranking do Saneamento nas 100 Maiores Cidades, saindo de 41º lugar para 33º lugar. Esse estudo, que foi divulgado em 28 de abril de 2015, é elaborado pelo Instituto Trata Brasil em parceria com a consultoria GO Associados, tendo como base os números do SNIS 2013.

    "Para finalizar, é importante explicar que quando Guarulhos tratar 100% dos esgotos, o Rio Tietê ficará apenas 4% menos poluído. Ou seja, Guarulhos não é o único município da região metropolitana de São Paulo pertencente à bacia do Tietê nem é o principal responsável pela poluição do rio."
     
     A mensagem traz ainda um breve currículo do missivista:

    "Afrânio de Paula Sobrinho, superintendente do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) de Guarulhos, é engenheiro civil formado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Engenharia de Controle da Poluição Ambiental pela Faculdade de Saúde Pública da USP".

    *

    A referência a Guarulhos no artigo publicado na semana passada era acessório. A coluna trazia a "Boa notícia" sobre a redução da área poluída do rio. E listava alguns riscos ou obstáculos, como cidades que ainda despejam um grande volume de esgotos sem tratamento no rio, citando o exemplo da segunda maior cidade do Estado.

    Publicada a carta, é necessário observar que:

    1) O missivista fala que três estações de tratamento de esgoto "respondem" por 50% do esgoto da cidade. O uso do verbo responder imprime uma imprecisão ao texto. Escrevi para o missivista perguntando o que quer dizer. Não tive resposta. Mas posso dizer que esse dado não aparece em nenhum dos documentos consultados e parece exagerado, como se verá a seguir.

    2) Para dizer que a cidade trata um percentual elevado do esgoto que produz, a carta lista dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) e o ranking do Instituto Trata Brasil. Em primeiro lugar é importante mencionar que meu artigo se baseou em dados da Cetesb, órgão do governo do Estado, e do SOS Mata Atlântica, ONG que tem a missão de auditar o projeto de despoluição do Tietê. As duas entidades medem efetivamente a quantidade de poluentes nas águas do rio. Já os dois levantamentos citados na carta são baseados apenas nos números declarados por cada município, sem checagem: as cidades mandam para o SNIS os seus números e ele as lista; o Trata Brasil pega os dados declarados para o SNIS e coloca as cidades em ordem. Ou seja: os institutos não comprovam a performance dos município, apenas repetem o que dizem.

    3) Ainda assim, os dados do SNIS e do Trata Brasil indicam que Guarulhos trata 21% do esgoto reconhecido oficialmente como produzido (a cidade coleta 84% do esgoto e trata 25% desse total; ¼ de 84% é 21%). Considere que áreas de ocupação irregular não têm coleta de esgotos, imaginando que a cidade tenha 20% de população vivendo em ocupações irregulares (estimativa conservadora, semelhante à da capital), é provável que os 21% de esgotos tratados caiam para 17%.

    4) O dado oficial publicado pela Cetesb no levantamento Infoáguas (na página 33) diz que Guarulhos trata 1,8% do esgoto da cidade. Já o SOS Mata Atlântica, em entrevista à coluna, apontou uma estimativa de cerca de 10%.

    5) Ao final, a carta do superintendente da SAAE dispara um dado que é inverossímil: "Quando Guarulhos tratar 100% dos esgotos, o Rio Tietê ficará apenas 4% menos poluído". Os dados de monitoramento da qualidade da água do Tietê mostram que o rio chega a Guarulhos poluído mas "vivo" e suas águas estão mortas depois de atravessar a cidade. Seria estranho admitir que a morte é determinada por apenas 4% da poluição. Para melhor avaliar a contribuição de cada cidade para o total dos poluentes do rio, a Cetesb divide o Tietê em áreas e aponta que Guarulhos é responsável por 12% da matéria orgânica despejada na região do Alto Tietê. No mínimo três vezes mais do que o dado mencionado. Perguntei em e-mail enviado à SAAE qual era a origem do dado. Recebi na sexta-feira uma nova carta que trata especificamente desse ponto, onde se vê que os 4% não são fruto de uma medição de fato das águas e dos esgotos que fluem no Tietê, mas sim um cálculo com base nas declarações das diversas prefeituras ao SNIS. Eis o que diz a nova missiva de Guarulhos:

    "Com relação ao percentual de redução da carga poluidora lançada no Rio Tietê, o Saae de Guarulhos informa que o índice de 4% foi calculado com base nos dados divulgados no SNIS 2013, que é o mais recente ano disponível. Foram considerados (conforme planilha anexada) os 36 municípios que compõem a Bacia Hidrográfica do Alto Tietê. A partir dos dados de volume total coletado e do volume total tratado, o percentual de tratamento, naquele ano e para os municípios dessa Bacia hidrográfica, era de 55%. Supondo a universalização do tratamento de esgoto em Guarulhos, este percentual passaria a 59%; ou seja, um incremento de 4%."

    O dado segue estranho desde logo porque ele coloca como cenário de "universalização do tratamento de esgoto em Guarulhos" o momento em que o esgoto atualmente coletado for inteiramente tratado. Mas novamente se tem que: o esgoto coletado é só 84% do produzido oficialmente (podemos supor que as áreas irregulares devem aumentar o esgoto produzido de fato) e a estimativa está baseada em números declarados pelas cidades aos SNIS, produzidos com métodos e critérios diferentes em cada lugar. Para fazer uma projeção verossímil, o método deve ser a medição efetiva dos poluentes despejados e, melhor ainda, em monitoramento independente. Quando isso ocorre, os números alegados pela cidade de Guarulhos não parecem defensáveis.

    Ainda assim, é preciso dizer que a carta de Guarulhos contém a boa notícia de afirmar que a cidade passou a se esforçar para reduzir os índices de poluição que joga no rio Tietê.

    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

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