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    Leão Serva

    Ônibus: agora é que são eles!

    09/11/2015 02h00

    A cidade acompanha com alienação a concorrência aberta pela prefeitura para o funcionamento dos ônibus: é a "maior licitação do planeta", vai contratar empresas por 20 anos para administrar cerca de 13 mil veículos, a um custo estimado de R$ 140 bilhões. A falta de atenção é mais problemática porque, ao lado de pontos positivos já elogiados neste espaço, o processo tem aspectos frustrantes.

    Todo dia, 6 milhões pegam ônibus paulistanos; metade toma dois, resultando em 9 milhões de "catracadas", de ida e volta. É mais que a soma dos usuários de Metrô e CPTM. Nenhum serviço público tem tantos clientes. Parafraseando assessor de Bill Clinton, que se referia à economia, em São Paulo, o fundamental "é o ônibus, estúpido!".

    Listo hoje seis problemas da licitação:

    1) O tempo: salvo uma possível comodidade para o administrador público, não há razão para fazer um processo tão longo (20 anos) que amarra a cidade a um mesmo grupo de empresas por uma geração.

    2) A regra: A lei de licitações públicas admite contratos de prestação de serviços de cinco anos. Para fazer de 20, a prefeitura cria uma "concessão"; mas concessionários devem cobrar por seus serviços diretamente do usuário e viver dessa receita. Não é o caso: a tarifa é uma política pública e o subsídio, hoje 30%, é pago pelo tesouro municipal.

    3) O cronograma: É provável que as mudanças só ocorram no começo de 2016. Há risco de contaminação eleitoral. Foi assim com a licitação anterior, em 2004, também em governo do PT. A tarifa estabelecida para o Bilhete Único, para ajudar a reeleição de Marta Suplicy, era insustentável. Implantado às pressas, o sistema era afeito a fraudes. Passada a eleição, o déficit explodiu, a cidade quase quebrou, perueiros cobravam pagamentos atrasados em manifestações violentas.

    4) Falta a autoridade metropolitana: as redes de transportes públicos sobre pneus e trilhos são interligadas mas operam separadas. Grandes metrópoles têm gestão conjunta. Para conciliar os entes federativos (municipalidades e o Estado), os órgãos são colegiados, com representação ponderada pelo número de passageiros. A capital joga dinheiro fora sem essa coordenação. Pense no corredor Consolação-Rebouças, que passa em cima da Linha 4 do Metrô, com redundância. Em 20 anos, outras linhas de Metrô estarão prontas; rotas de ônibus deveriam ser eliminadas, mas os empresários não vão abrir mão de direitos adquiridos agora.

    5) Irracionalidade tarifária: A capital oferece uma das menores tarifas do país (média R$ 2,33) enquanto os vizinhos da Grande São Paulo pagam caro (R$ 3,50) para rodar áreas semelhantes a subprefeituras paulistanas. Mas quando milhões de pessoas de fora pegam ônibus local ao trabalhar em São Paulo, ganham o subsídio do IPTU paulistano. Isso seria equalizado por uma autoridade metropolitana.

    6) A poluição: A lei municipal estabelece que a partir de 2018 os ônibus não poderão emitir gases de efeito estufa. A concorrência não trata da questão. A prefeitura está "empurrando com o pulmão", vai contratar veículos poluentes e a próxima administração não terá como substituí-los. Era fundamental impor a regra ambiental como condição prévia para o certame (com financiamento do BNDES para aquisição de veículos limpos). Ao não fazê-lo, vamos tossir diesel por mais 20 anos.

    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

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