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    Leão Serva

    Em 2016, não dê felicidade ao pessimismo

    28/12/2015 07h33

    Esses dias estão marcados por uma epidemia de pessimismo. O fracasso moral e administrativo da gestão federal e a crise econômica, que desemprega e tira poder de compra dos salários, contaminaram a maioria da população: o brasileiro está com medo do futuro. Alguém pode achar que sempre tenha sido assim mas, se foi, esqueceram de documentar porque, ao contrário, o otimismo sempre foi a marca conhecida e surpreendente do DNA tupiniquim.

    O medo é um bom conselheiro: na hora da tempestade é preciso tomar cuidados. Paulinho da Viola escreveu versos sábios que dizem: "Faça como o velho marinheiro, que durante o nevoeiro leva o barco devagar". Estamos numa fase de economizar, cortar consumo, fazer com todos os custos o que já vínhamos fazendo com a água.

    O pessimismo, no entanto, é um medo que se apossa da pessoa e a paralisa. Em vez de aconselhar cautela, produz pânico. Tira as iniciativas. E aí não dá para usufruir das boas coisas que ainda restam; não é possível nem mesmo detectar as oportunidades de superar a crise. E elas são muitas. Como diz o sempre criativo publicitário Nizan Guanaes, "enquanto eles choram, eu vendo lenços" (frase que virou título de livro).

    Há sempre oportunidades na crise, mas é preciso manter a confiança para vê-las. Na hora da refrega, os mais nervosos são candidatos a fugir pela porta errada ou ficar paralisados pelo choro (vão ter que comprar lenços do Nizan).

    Outro dia ouvi uma história divertida sobre o pessimismo, narrada por um padre chamado Osman, da Igreja de Santa Terezinha, em Higienópolis. Frei Osman é escritor e leitor voraz. Por isso, em seus sermões costuma incluir referências a poemas, contos e romances de toda sorte de autores. Suas homilias são pequenas aulas de literatura.

    Recentemente, ao sentir a apreensão crescente em seu rebanho, saiu-se com a seguinte história: um dia estava o poeta Olavo Bilac andando pelo Rio quando encontrou um velho amigo, que pediu:

    – "Bilac, preciso vender minha chácara, que só dá dor de cabeça". E reclamou um monte: "Os pássaros fazem barulho ensurdecedor, não podemos descansar. A calha está entupida pelas folhas que caem das muitas árvores. No verão, o sol exige cortinas novas e no inverno os cobertores não dão conta do frio". "Por isso", concluiu, "quero vendê-la. Você me prepara um texto convincente para um anúncio de jornal?"

    Bilac pediu papel e caneta e escreveu: "Vendo uma chácara abençoada. Ao fundo da casa, no bosque, os pássaros fazem diariamente sua sinfonia; à frente, o sol aquece o terraço para iluminar a mente de seus moradores enquanto ouvem o som do regato piscoso". Entregou o papel ao amigo e se foi.

    Meses depois, o encontrou novamente e perguntou: "Vendeu a chácara?" "Não, Bilac, quando me dei conta da beleza única e dos benefícios que posso ter em tão lindo lugar, nunca mais considerei me desfazer daquele pequeno paraíso".

    A lição pregada pelo frei Osman é sábia e vale para um monte de gente. Neste momento em que se aproxima o início de um ano que tem tudo para ser ainda mais dramático do que 2015, é muito importante observar as oportunidades, para não ser sugado pelos problemas.

    Por isso pergunto: e você, também tem pensado em vender um pedaço de sua felicidade?

    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

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