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    Leão Serva

    Que bobagem aumentar os ônibus!

    04/01/2016 02h00

    O aumento das passagens de ônibus, metrô e trens urbanos é um erro dos governos municipais e estaduais que tende a anular parte do ganho de usuários sentido pelos transportes públicos nos últimos anos. Manter congeladas as tarifas, além de medida de forte impacto social em tempos de crise, seria possível sem ônus para os cofres públicos com a adoção de melhorias de gestão.

    A alta anunciada em São Paulo, de R$ 3,50 para R$ 3,80 (8,57%), deve afastar dos coletivos muitos usuários. As pessoas afetadas pela crise (desempregados ou que sentiram redução na renda familiar), os que estão com a pulga atrás da orelha e os de renda mais baixa em geral vão diminuir o uso do transporte público.

    Na capital, o prefeito Fernando Haddad vai pagar o maior ônus político, por ser candidato à reeleição. Já o governador Geraldo Alckmin tem dois anos de mandato pela frente para diluir o efeito negativo.

    Um dos estudos mais citados sobre influência do preço da passagem no uso de transportes públicos, "Efeitos da Variação da Tarifa e da Renda da População sobre a Demanda de Transporte Público Coletivo Urbano no Brasil" (IPEA, 2011), mostra que aumentos tendem a resultar em quedas proporcionais (os 8% resultariam em igual redução de passageiros ou até 480 mil pessoas). O trabalho indica também que nos anos de crescimento de renda (2003-2011), o impacto da passagem foi absorvido sem queda de usuários. Mas esse não é o cenário para 2016.

    A justificativa da Prefeitura para o aumento dos ônibus é de que cresceu muito o subsídio ao sistema em decorrência de gratuidades oferecidas, chegando a cerca de R$ 1 bilhão em 2015. Hoje, só cerca de metade dos usuários paga integralmente as passagens. Idosos, deficientes e estudantes têm gratuidade total ou parcial. Só a gestão Haddad, desde 2014, deu tarifa grátis ou descontos para 800 mil usuários ou 14% dos 6 milhões de passageiros diários do sistema.

    A Prefeitura poderia evitar o aumento reduzindo custos indefensáveis no sistema do Bilhete Único, como as fraudes, entre as quais a principal é o uso falso de bilhetes gratuitos (de idosos ou estudantes, por exemplo).

    O segundo custo absurdo é a manutenção dos cobradores, hoje desnecessários: eles arrecadam pouco e custam para a Prefeitura o correspondente a todo o subsídio do ano passado. A competência de arcar com reciclagem e recolocação para uma profissão em extinção é do Ministério do Trabalho, não do contribuinte municipal ou usuário de ônibus.

    Por fim, a Prefeitura gasta dinheiro dos paulistanos para dar tarifa subsidiada a moradores de outras cidades da Grande São Paulo que vêm à Capital e usam o Bilhete Único. É preciso negociar com as outras municipalidades e o governo do Estado formas de ressarcimento ou exigir atestado de residência no município ao emitir um Bilhete Único paulistano.

    Depois de dedicar três anos do mandato a medidas que incentivam o uso de formas de mobilidade alternativas ao automóvel, o aumento de tarifas inverte o sinal, poderá devolver à calçada (pobres) ou aos carros (mais endinheirados) milhares de usuários do transporte público. Em vez de aumentar as tarifas como fazem todos os prefeitos, Haddad teria o reconhecimento da cidade para um gesto ousado.

    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

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