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    Leão Serva

    Tragédia da ciclovia começou antes

    25/04/2016 02h00

    A ciclovia Tim Maia, que desabou semana passada no Rio, não foi feita para beneficiar ciclistas. É puro marketing. Como obra, é defeituosa do começo ao fim trágico: projeto arquitetônico equivocado; solução de mobilidade atrasada; realização de engenharia primária e custo exorbitante. Tampouco é "a ciclovia mais bonita do planeta", como diz o prefeito; ao contrário, é feia e ameaça a visão da orla, de rara beleza.

    Se o Rio tivesse imprensa crítica, certamente alguém teria gritado algo como "o rei está nu" já no anúncio daquele "Minhocão para bicicletas" sobre o mar. Mas o jornalismo local frequentemente prefere fechar os olhos aos problemas e "levantar o moral" carioca.

    Os ciclistas são os primeiros a denunciar quando políticos anunciam a construção de ciclovias complicadas com custos elevados. São obras demoradas que, ao final, agradam aos donos de automóveis, que não têm de ceder espaço às bicicletas, e, sobretudo, às construtoras que ganham rios de dinheiro.

    A criação de ciclovias não pode reproduzir a lógica de grandes construções viárias que marcou o século 20, "a era dos carros". Elas devem ser: baratas e fáceis de criar (tipo: "passar uma mão de tinta e tacar a sinalização"); implantadas em ruas e avenidas existentes; diminuir o espaço antes destinado exclusivamente aos automóveis e, necessariamente, forçar a redução da velocidade máxima permitida aos carros naquelas vias.

    Mais do que às bicicletas, ciclovias servem para mudar o paradigma comportamental de uma sociedade, mostrar que a cidade é para humanos e não carros, que vias públicas pagas com dinheiro de toda a população não podem beneficiar apenas a minoria mais rica e seus automóveis.

    Nada disso inspirou o projeto da Tim Maia. Ela foi montada paralelamente à avenida Niemeyer, para não incomodar o trânsito dos autos. As lindas pedras onde quebra o mar foram usadas como meros alicerces de colunas e encobertas pela pista. O mesmo prefeito que demoliu o viaduto perimetral, na região central da cidade, acabou por criar um elevado para bikes, na zona sul.

    A mobilidade ativa, como caminhar e pedalar, deve valorizar a fruição de paisagens ao longo do deslocamento. Ao contrário, a ciclovia Tim Maia cobre a visão das ondas. E foi exatamente na forma de uma onda que a natureza se insurgiu, revelando que, além do projeto arquitetônico, também a engenharia esqueceu dela.

    ESQUEÇAM OS ÔNIBUS

    O leitor há de lembrar a discussão sobre a concorrência para o novo sistema de ônibus municipal em São Paulo, que nos ocupou no ano passado e já deveria estar consumada. Esqueça. Não vai rolar ao menos até o ano que vem. O Tribunal de Contas do Município sentou em cima do processo. E se o liberar agora, ainda que a prefeitura diga que poderia completar o certame em um mês, nenhum interessado quer que isso ocorra. Ninguém topa assumir uma concessão de 20 anos, envolvendo cerca de R$ 100 bilhões, às vésperas de uma eleição, com um prefeito em fim de mandato. Se não for reeleito, o sucessor naturalmente quererá questionar partes do contrato, criando insegurança jurídica. Por isso, a coluna ouviu de envolvidos, se a licitação for liberada,eles trabalharão para amarrar o processo até o início do ano que vem.

    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

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