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    Leão Serva

    Congela o ônibus, Doria!

    21/11/2016 02h00 - Atualizado às 10h39

    O prefeito eleito João Doria prometeu manter o ônibus congelado no ano que vem. Provocou reação negativa, a julgar pelas vozes que se manifestaram na imprensa desde então.

    Todos os dias úteis do ano, 6 milhões de paulistanos pegam ônibus para ir ao seu destino principal e voltar. É metade da população. Por isso, o custo dos transportes coletivos tem grande impacto na vida da cidade e se reflete diretamente na avaliação de prefeitas e prefeitos paulistanos.

    Marta Suplicy (2001-2004) aprendeu com a perda de popularidade ao dar aumento no início da gestão, e, ao final do mandato, criou o Bilhete Único, que reduziu custos das viagens entre 35% e 50% para cada usuário dos ônibus municipais, atraindo milhares de novos passageiros para o sistema. Quase se reelegeu. Serra, aumentou a tarifa nas primeiras semanas e a deixou congelada por dois anos: saiu como o prefeito mais bem avaliado da história do Datafolha. Kassab fez o mesmo e se reelegeu. Ao contrário, Fernando Haddad subiu a tarifa no início de 2016 e perdeu a eleição.

    Minha avaliação é de que Dória está certo e muitos dos que se opõem têm interesses alheios ao impacto da medida para os paulistanos.

    Foi o caso do artigo de Marcos Bicalho, diretor da Associação de Empresas Transportes Urbanos (NTU), na Folha. Ele reclamou que, se São Paulo congelar a tarifa, outras cidades vão manter as suas também. O empresário não se preocupa com o paulistano, mas com o lucro das empresas no resto do país. Proponho o argumento contrário: se Dória congelar as tarifas, passageiros de todo o Brasil serão beneficiados indiretamente.

    José Carlos Nascimento, diretor financeiro do Metrô, disse à Folha que o congelamento de tarifas não poderá ser acompanhado pelas empresas de trens metropolitanos (Metrô e CPTM) e isso provocará migração de passageiros para os ônibus. Em outras palavras, ele reclama do prejuízo ao metrô, não da medida em si. Além disso, a declaração lembra o velho ditado: "Preso por ter cão, preso por não ter cão" Frequentemente, técnicos do Metrô atribuem parte de sua grande lotação à paridade tarifária: como os trens são mais eficientes, com preços iguais, os usuários correm para eles. Em Londres, paradigma do bom transporte público, ônibus são mais baratos do que o metrô.

    Outras vozes criticam o congelamento por aumentar o valor que a Prefeitura repassa às empresas, para completar a diferença entre a arrecadação das catracas e o custo do sistema. Com o dinheiro, dizem, outras realizações poderiam ser feitas: creches, hospitais, corredores de ônibus. Ocorre que a margem de investimento do orçamento da cidade (10%, ou cerca de R$ 5 bilhões) é suficiente para criar e melhorar creches, atendimento no sistema hospitalar e ainda construir corredores de ônibus, mesmo com as tarifas congeladas. Basta entender que esse é o melhor investimento que um prefeito pode fazer na crise.

    Podem ajudar o congelamento várias medidas que o prefeito Haddad planejou mas não implementou e que podem ser adotadas agora. A eliminação dos cobradores trará economia em torno de R$ 800 milhões (cerca de um quarto do subsídio). Outros R$ 800 milhões podem ser economizados com a eliminação de linhas ociosas: a rede de ônibus de São Paulo foi planejada em 2003 (às vésperas do Bilhete Único). Há muitas linhas que circulam em rotas idênticas (congestionam as vias com ônibus vazios). Um estudo recente aponta que 10% delas podem ser eliminadas, sem prejuízo para o usuário e redução de custos. Os corredores planejados e não inaugurados também resultarão em economia (ônibus mais velozes permitem eliminar veículos).

    A licitação iniciada em 2015, e travada pelo TCM até as vésperas da eleição, prevê várias economias. O edital tem defeitos, como a duração (20 anos renováveis por mais 20). Dória pode e deve corrigi-lo. Se o fizer rapidamente, pode ter logo o novo sistema, mais econômico, funcionando na cidade.

    Desde que era deputado, o atual secretário de Transportes Jilmar Tatto defende a criação de uma taxa municipal sobre o preço da gasolina (a "CIDE municipal"). Haddad tentou fazer o projeto avançar em Brasília, sem sucesso. No novo cenário político, Dória pode ter mais sucesso. Criaria assim uma receita nova além de justiça ambiental: o poluidor (motorista de carro) subsidia o transporte público.

    Há ainda medidas não estudadas pela atual administração e nem mencionadas pelo prefeito eleito que podem contribuir para reduzir custos do sistema ou gerar novas receitas, contribuindo para o congelamento. Uma delas é a venda para o setor privado do sistema de bilhetagem e compensação do Bilhete Único. O cartão BOM, que vigora na Grande São Paulo, foi criado e implantado pela iniciativa privada, em parceria com a EMTU (estatal metropolitana). Imagine quanto uma empresa financeira não pode pagar para administrar micro-pagamentos diários de 6 milhões de paulistanos e transformar seu bilhete em um cartão de crédito e débito?

    Essa receita pode ser ampliada com a escala se Dória e o governador do Estado, seu padrinho Geraldo Alckmin, aproveitarem a oportunidade da eleição de vários prefeitos aliados na Região Metropolitana, para fazer avançar, finalmente, a Autoridade Metropolitana de Transportes, como existe em todas as grandes cidades do mundo (o Rio está implantando a sua). Além da racionalização dos sistemas, que hoje competem, e seus custos, essa entidade poderá planejar melhor obras de interesse comum a várias cidades, como corredores e linhas de trens.

    Tudo isso permite pensar em congelamento em 2017 e redução das tarifas no longo prazo. O que será bom para a vida da cidade em movimento.

    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

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