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    Leão Serva

    Londres e Paris ensinam que o pedágio urbano pode ser bom para São Paulo

    06/02/2017 02h00

    Reprodução/Facebook/Rádio BandNews FM
    Farol quebrado no cruzamento da Avenida Faria Lima com a Avenida Juscelino Kubitschek causa um nó agora no trânsito de São Paulo.
    Farol quebrado no cruzamento da Avenida Faria Lima com a Avenida Juscelino Kubitschek

    Uma menção ao pedágio urbano desperta reações indignadas em São Paulo. Por isso, políticos paulistanos têm medo da ideia defendida por muitos estudiosos de trânsito e poluição. Os administradores eleitos temem a reação dos carro-dependentes e dos críticos que alegam que a cobrança de taxas para quem quer circular em áreas de maior congestionamento privilegia os ricos, que podem pagar os custos.

    Duas metrópoles admiradas pela qualidade de suas infraestruturas de transportes públicos (ônibus, metrô e trem), Londres e Paris são também comparadas por terem implantado medidas diferentes de restrição ao trânsito de carros particulares para diminuir o congestionamento em suas áreas centrais.

    Londres adotou o pedágio urbano no início da administração do esquerdista Ken Livingstone, um radical do Partido Trabalhista, que foi prefeito da cidade entre 2000 e 2008. A regra imposta prevê que qualquer carro particular que circule pelo centro expandido da capital inglesa, entre 7h e 18h, pague uma taxa de 11,50 libras/dia (cerca de R$ 48,00). Exceções: ônibus, táxis, carros de deficientes e elétricos.

    O centro da capital britânica é também o lugar mais caro do mundo para estacionar (média de 42 libras/dia ou R$ 175,00) e a multa por exceder o tempo de um parquímetro é cerca de 100 libras (R$ 415,00). Ou seja, quem decidir andar de carro pela "City", vai pagar R$ 220,00/dia, se cumprir à risca as regras de trânsito. Detalhe: a cobrança vale também para quem mora no centro.

    Toda a arrecadação do pedágio urbano é usada para melhorar a infraestrutura de transportes públicos, que cresceu velozmente desde o início do milênio, com novas linhas e mais estações.

    O sucessor de Livingstone foi o conservador Boris Johnson (2008-2016), que manteve a "taxa de congestionamento" e agora a deixou como herança para o recém-eleito Sadiq Khan, trabalhista, muçulmano, de família indiana. A cobrança não tem partido, religião ou etnia.

    Governada desde 2001 por prefeitos socialistas, Paris recusou o pedágio urbano, optando por medidas mais "igualitárias" para restringir o trânsito: estreitamento ou fechamento de vias, mudanças de mãos de direção, diminuição de limites de velocidade, redução de vagas nas ruas (menos de 10% do total) e aumento do preço dos estacionamentos (privatizados, 90% da oferta).

    Os resultados mostram que, por afetarem todos os veículos igualmente e de forma menos radical, as medidas "à francesa" não tiveram a mesma eficácia, como constatou recentemente o jornal conservador "Figaro" (28/9/2016): motoristas se acostumam com aumentos menores de custos (o congestionamento caiu menos); o fechamento de vias afeta igualmente carros particulares e táxis (que servem a vários passageiros/dia); e não houve uma receita nova para financiar os transportes públicos.

    Em Londres, ao reduzir 30% o número de carros em circulação, a fluidez melhorou para particulares e ônibus; em Paris, as medidas para restringir o movimento de veículos travam também os ônibus. A perda de mobilidade para os usuários de carro não foi compensada por conforto nos transportes públicos e houve migração menor para ônibus ou metrô. E quem tem dinheiro para pagar o pedágio, se mistura no engarrafamento com quem não tem.

    Dois números resumem o resultado: em Londres, 41% das famílias não têm carro (contra 30% em Paris) e 45% das pessoas fazem seus deslocamentos em transportes coletivos (apenas 21% dos parisienses).

    Em verdade, o pedágio urbano, acusado de privilegiar os ricos, tem um efeito Robin Hood: cobra de quem tem dinheiro para melhorar os transportes públicos.

    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

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