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    Leão Serva

    A corrupção intoxica até quem a combate

    27/02/2017 02h00

    Ueslei Marcelino - 30.set.2015/Reuters
    Trabalhador pinta tanque da Petrobras em Brasília

    Um dos males mais graves da corrupção é que sua indignidade afronta de tal forma a opinião pública que toma contornos maiores do que de fato tem e assim a sociedade passa a considerá-la a causa de todos os problemas, o que não é, e ver sua eliminação como a panaceia universal, o que tampouco é.

    O caso mais claro é o que aconteceu com a Petrobras: a empresa foi ao buraco por erros da administração Lula e Dilma que pouco têm a ver com a corrupção. O controle demagógico dos preços de combustível tirou cerca de R$ 400 bilhões de valor de mercado da empresa entre 2008 e 2016. A corrupção, estima-se, roubou cerca de R$ 10 bilhões (projeções nos EUA falam de US$ 20 bi, ainda assim pouco perto do que a incompetência administrativa provocou).

    No entanto, o Brasil discute há três anos os casos de desvio de dinheiro da petroleira sem falar das políticas de preço, que têm impacto 40 vezes maior. Por isso mesmo, nestes últimos meses, a companhia voltou a agir como biruta, reduzindo preços poucas semanas antes do petróleo subir; para em seguida aumentar e diminuir...

    Os estímulos a empresas e setores da economia, que alegadamente deveriam aquecer o PIB, geraram prejuízos bilionários. A venda de medida provisória, com favorecimento tributário a empresas automobilísticas, é crime; mas os cortes de impostos sem critério, em todo o país, tiram receita do Estado e eficiência de empresas, abalam a economia nacional de forma permanente. Embora muito se discuta o caso envolvendo o ex-presidente Lula e seu filho, são raras as referências à ineficiência dos incentivos fiscais para empurrar a economia.

    Mesmo que nenhum centavo tivesse sido retirado de forma ilegal do BNDES, sua política de intervenção estatal em companhias específicas, além de oligárquica e paternalista, desregula a competição entre empresas, privilegia amigos do rei. É uma imoralidade legal, com efeitos danosos mais duradouros do que eventuais roubos de dinheiro público.

    Os governos Lula e Dilma fizeram o Estado ineficiente ampliar sua participação direta na economia com aumentos de custos que desequilibraram as finanças públicas. Mesmo que não houvesse qualquer corrupção nessa (falta de) estratégia, o orçamento brasileiro estaria deficitário e o país exposto à inadimplência, como está.

    Se por hipótese uma santa como Madre Tereza de Calcutá viesse governar o Brasil e enxugasse toda a corrupção mas executasse o orçamento como fazia Dilma, o país chegaria ao mesmo buraco em que estamos.

    Outro caso paradigmático: desde o final dos anos 1970, o governo brasileiro já sabia da inviabilidade de construir usinas hidrelétricas eficientes na Amazônia. A então ministra Dilma Rousseff desarquivou o plano herdado dos militares de construção dessas usinas. Belo Monte é o fruto mais evidente desse projeto que já gerou outros vários monstrengos a um custo somado de várias dezenas de bilhões. Mas o país discute apenas a acusação de que uma empreiteira pagou R$ 35 milhões para entrar na lambança. É grave, mas é marginal perto do erro de construir hidrelétricas ineficientes a custo monumental em dinheiro e destruição do patrimônio ambiental do país.

    A corrupção é um veneno. Mas seu maior efeito tóxico é o de nos tirar a visão do que é ainda mais grave para a economia do país.

    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

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