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    Leão Serva

    Encontrei o prefeito de Londres correndo na rua sozinho

    27/03/2017 02h00

    Reprodução/Twitter
    Sadiq Khan em frente a ônibus
    Sadiq Khan em frente a um ônibus londrino

    LONDRES - Encontrei o prefeito de Londres, Sadiq Khan, correndo na rua, sábado de manhã, na região de sua casa, sudoeste de Londres. Ele treinava só, sem seguranças (visíveis, ao menos) e sua presença não provocava frisson entre as pessoas que andavam nas calçadas cheias de cafés de Clapham. Estranhei ver o prefeito de uma metrópole rica não estar sentado em um carro oficial, de luxo, seguido por outro lotado de seguranças, como fazem os mandatários brasileiros.

    Mas aqui não surpreende o prefeito da cidade correr pelo bairro onde mora, como parece natural o hábito de ir de ônibus e metrô para o gabinete, no Centro da cidade. O prefeito anterior, Boris Johnson, conservador, ia diariamente de bicicleta.

    O sol da primavera chegou finalmente à capital britânica no fim-de-semana, como um presente para o Dia das Mães, comemorado ontem. Os londrinos lotaram parques, cafés e as ruas comerciais. E bem no meio da muvuca em torno do parque Clapham Common, ao atravessar um farol de pedestre, dei de cara com o prefeito, em uma ilha no meio da avenida. Eu esperava o sinal abrir para seguir correndo para o Norte e ele, para o Sul. "Olá", eu disse. "Olá", ele respondeu sorrindo. Eu queria perguntar se era ele mesmo, se não sente medo de correr sozinho na rua, fazer um comentário inteligente naquela situação bizarra, comparar sua simplicidade com os homens públicos brasileiros, mas o sinal abriu, ele logo se afastou rumo a sua casa, no vizinho bairro de Tooting.

    Três anos atrás, antes de ser eleito, Sadiq Khan escreveu um artigo no jornal "The Guardian" contando que viciou em corridas ao treinar para uma maratona beneficente promovida pelo jornal "Evening Standard". "Eu não me dava conta do quanto correr muda a nossa vida. Agora estou obcecado. Quando não estou tentando superar meus limites, estou falando com outras pessoas sobre os delas, lendo sobre treinamento ou dietas com equilíbrio perfeito de carboidratos e proteínas", contou.

    A corrida entrou para o marketing pessoal. Logo após a posse, preocupado com a fuga de empresas financeiras para a Europa após o Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia, EU), ele correu a prova anual promovida em julho pelo banco JP Morgan. Antes, fez um discurso prometendo que Londres está aberta para os negócios europeus. Traduzindo: não vão embora, causando desemprego e perda de receitas de impostos.

    Alguém poderia dizer que os prefeitos brasileiros correm riscos se saírem sozinhos às ruas, pois a violência é maior em nossas cidades. Para concordar, teríamos que esquecer que no início da semana ocorreu um atentado terrorista na frente do Parlamento, com quatro civis e um policial morto e cerca de quarenta feridos.

    Também é preciso refletir sobre o ovo e a galinha: episódios agressivos quando nossos políticos vão à rua sem entourage de imperador podem ser exatamente sinal da falta de convivência nas ruas. Ao mesmo tempo, um prefeito que corre a pé, anda de ônibus e metrô diariamente, de verdade, conhece melhor a cidade do que quem vive cercado de seguranças, blindado em um carro oficial.
    Nos anos 1960, os paulistanos já consideravam a cidade muito violenta mas o prefeito Prestes Maia (1961-65) pegava diariamente o bonde que descia a avenida Angélica para ir de casa à Prefeitura. No final daquela década, o Brasil vivia uma ditadura e alguns grupos de extrema-esquerda adotaram o terrorismo. Mas frequentemente o governador biônico, Abreu Sodré (1967-71), era visto guiando o próprio carro (Fusca) para ir da casa oficial ao Palácio dos Bandeirantes.

    Nos anos 1970, o prefeito Figueiredo Ferraz (1971-73), um empresário bem sucedido, que certamente podia ter motorista particular, guiava o próprio automóvel mesmo durante o horário comercial, via a cidade e era visto por ela. E São Paulo já tinha naquele momento índices de violência preocupantes. Melhor se não usassem automóveis, mas ainda não tinham o estilo "prefeito ostentação" que hoje é marca do Brasil, esse país rico e poderoso.

    Foi o que pensei por um átimo de segundo, na manhã de sábado, embasbacado diante daquela revelação: em democracias avançadas, os homens públicos se comportam como pessoas normais e não como potentados de Terceiro Mundo.

    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

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