• Colunistas

    Sunday, 05-May-2024 20:01:41 -03
    Leão Serva

    Londres quer poluição zero. E nós?

    03/07/2017 02h00

    Nelson Antoine - 27.jul.2016/Folhapress
    Caminhão solta fumaça preta na marginal Tietê
    Caminhão solta fumaça preta na marginal Tietê

    O prefeito de Londres acaba de mandar ao Legislativo da capital inglesa propostas para radicalizar a redução do trânsito de automóveis e emissões de gases de efeito estufa. Elas preveem que nenhum veículo poluente circule na cidade. E quando será isso? Em 2050.

    Parece muito? Pode ser, mas o longo prazo permite um debate intenso ao final do qual, se aprovadas, as leis serão implantadas, progressivamente, sem que um sucessor as cancele.

    Em resumo, as regras ditam que a partir de 2019 comece a vigorar uma taxa por quilômetro rodado na área do pedágio urbano; além dos atuais R$ 45 para entrar no Centro, o valor subirá com a circulação e conforme o motor: mais poluente paga mais. A área pedagiada deve ser ampliada, primeiro a centros comerciais de outras regiões da Grande Londres, até a cidade inteira em 2050.

    Em 2033, nenhum veículo de transporte poderá ter motor a combustão: táxis, ubers, vans, ônibus e caminhões, só elétricos. Nessas mais de três décadas, as regras de estacionamento serão apertadas. A cidade também tem fechado vias ao trânsito e logo várias avenidas centrais vão virar calçadões, começando pela Oxford Street (inclusive sem bicicletas), em 2020.

    Nos anos 2040, vai ser um inferno circular de carro. Mas quem quiser terá que pagar muito pelo direito. E a partir de 2050, poluidor, nem pagando...

    São Paulo tem muito a aprender com a discussão londrina. Mas a lição mais importante é sobre o processo legislativo. Quando foi a última vez que um congressista brasileiro propôs algo para daqui a 33 anos? Nossa sociedade age como se o mundo fosse acabar antes disso. Nem 33, nem 23, nem três anos. Estamos discutindo a lei eleitoral para o ano que vem. Os políticos só pensam nos seus mandatos. Depois, o dilúvio.

    Há 33 anos, a sociedade civil brasileira se mobilizava pela campanha das "Diretas já", que tiraria o país da ditadura militar. Não tínhamos essa Constituição (é de 1988), carros importados (de 1990) nem telefonia celular (meados dos anos 1990).

    Nesse período, boas leis no Brasil foram aprovadas e depois canceladas, com sorte reaprovadas, até caírem novamente.

    O prefeito Haddad, que se autodenominava "o homem novo", cancelou ou congelou as medidas aprovadas na gestão anterior para reduzir a poluição dos veículos em São Paulo: a inspeção veicular, que regulava os carros particulares, e a lei Municipal de Mudanças Climáticas, de 2009, que previa a eliminação de ônibus poluentes em 2018.

    E isso não acontece só entre adversários políticos: medidas de proteção ambiental na Amazônia aprovadas no governo Lula começaram a ser desfeitas por sua sucessora, Dilma Rousseff, e seguem sendo desmontadas por Michel Temer. Nisso, o ex-vice é fiel a ela.

    A mania de criar e desfazer leis não impera apenas na questão ambiental. O presidente Collor foi eleito por uma regra eleitoral que impedia doações de empresas. O caixa dois de sua campanha foi atribuído a esse veto. Leis foram criadas para que as empresas doassem com transparência. O governo Lula atribuiu o "escândalo do Mensalão" ao caixa dois eleitoral. As doações de empresas foram proibidas. Voltamos a 1989. Agora, o Congresso discute o seu retorno... para o ano que vem.

    Embora pareça longe, é melhor uma boa lei em 2050 do que uma, amanhã, só para inglês ver.

    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

    Edição impressa

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024