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    Leão Serva

    Hoje é dia da maldade, de gente dilacerada na rua

    11/09/2017 02h00

    Edu Silva - 14.jul.2017/Futura Press/Folhapress
    Acidente na av. Bandeirantes (zona sul de SP) que matou o comissário de bordo Alexandre Storian em julho
    Acidente na av. Bandeirantes (zona sul de SP) em julho; o comissário de bordo Alexandre Stoian morreu

    Hoje vai ser mais um dia violento nas ruas: cerca de 50 pessoas serão vitimadas, dez por atropelamentos. Mais de dois paulistanos vão morrer no trânsito. Em dois ou três dias, São Paulo vai produzir mais vítimas que o recente ato terrorista de Barcelona. Mas isso não vai causar comoção. Nos acostumamos com a chacina diária, como se ela fizesse parte da normalidade da vida, seus números não tiram sono.

    No Brasil, os mortos no trânsito são cerca de 40 mil por ano; mais de 200 mil feridos. Em 2016, 854 paulistanos morreram e 19.235 ficaram feridos.

    Esses números deveriam ser suficientes para virar o estômago de qualquer cidadão. Eles revelam uma tragédia nacional. Os Estados Unidos estão até hoje com a Guerra do Vietnã entalada na garganta. É um dos maiores traumas nacionais. Pois todo o período de envolvimento dos EUA, 20 anos, tirou a vida de 60 mil norte-americanos. É 1,5 ano de trânsito brasileiro.

    Há muitos dados e muitas formas de analisar a questão, mas começo pelo mais gritante: a violência no trânsito é um crime de gênero. Os homens são responsáveis por 85% dos acidentes com vítimas. Quer dizer que 16,3 mil em SP foram vítimas de machos armados (com um veículo).

    O sexo masculino se revela ainda mais perigoso quando olhamos os casos fatais: a proporção sobe para 93% dos acidentes com mortes. Ou seja: 794 mortes no trânsito de São Paulo em 2016 foram causadas por homens.

    Há outros números que chamam atenção por indicar que a violência do trânsito tem uma forte ligação com (maus) hábitos da sociedade: os dias mais letais são sexta e sábado e o mês mais violento é dezembro. O aumento de acidentes coincide com o lazer.

    O país precisa discutir essa relação, entender como mudar o padrão. A boa notícia é que se trata de um problema com grande potencial de melhora entre todas as mais graves mazelas nacionais: o fato de se tratar de um crime com características tão bem definidas, comportamentais, facilita o planejamento de campanhas educativas e ações para mudança de hábitos, como foram outras em nossa história recente.

    Afinal, nos últimos 25 anos, o Brasil deu exemplo ao mundo quando interrompeu a progressão da Aids ou reduziu o consumo de cigarros. Menos brasileiros morrem agora dessas duas doenças.

    Para isso, é preciso fazer ações permanentes, de vez em quando não basta. A Prefeitura de São Paulo inicia uma campanha nesta semana e promete torná-la constante. Vamos ver se ela causa impacto. Publicidades educativas devem ser feitas para convencer. Há casos de sucesso mundial, como o da Austrália (imagens muito chocantes), que podem inspirar as nossas. As que temos visto por aqui são como placebo: só fazem efeito em quem já está convencido.

    Também ações de controle do comportamento dos motoristas, especialmente durante o fim de semana (como blitz com bafômetro), deveriam ser multiplicadas. Embora o prefeito Doria tenha feito a campanha eleitoral muito centrada no ataque ao que chamava de "indústria da multa", um aumento de fiscalização de cinco regras bem conhecidas (queimar faixa de pedestres; acelerar no sinal amarelo; desrespeitar o vermelho; usar o celular e excesso de velocidade) pode melhorar o respeito geral.

    Se nada disso der certo, proibir os homens de dirigirem na cidade pode eliminar 90% dos acidentes.

    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

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