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    Leão Serva

    'Indústria da multa' está ainda mais concentrada

    20/11/2017 02h00

    A CET divulgou poucos dias atrás uma análise das multas de trânsito emitidas até outubro deste ano. E ela mostra que aumentou a concentração de infrações cometidas por uma pequena minoria dos motoristas ao mesmo tempo que crescia também o percentual daqueles que não cometem irregularidades.

    Nos dez primeiros meses deste ano, 473 mil veículos (5,5% da frota registrada) receberam 4 milhões de multas (60,3% do total). O mesmo levantamento mostrou que 6,3 milhões de carros (75% do total) não tiveram nenhuma infração registrada no período.

    Comparando esses números com levantamento semelhante feito a partir de dados de 2014, vê-se que aumentou a concentração do desrespeito (na época, 5% dos carros tiveram 50% das multas) e também subiu o percentual dos que se mantiveram imunes a punições (eram 71%, agora foram 75%).

    Os dados mostram que a chamada "indústria da multa" é formada por um pequeno núcleo de motoristas infratores recorrentes, que toma várias multas (8,5 cada veículo no período do estudo). E que uma imensa maioria que se comporta dentro das regras de trânsito.

    O estudo da CET é divulgado três meses depois de outro que revelou que, nos últimos anos, a lentidão do trânsito cidade caiu ligeiramente apesar do aumento da frota. Aparentemente não há uma relação de causa e efeito entre as duas curvas, mas pode haver uma correlação: mais motoristas se comportando direito, o trânsito flui melhor; ou o trânsito andando melhor, menos gente se sente compelida a furar as regras.

    Danilo Verpa - 5.mar.2012/Folhapress
     Agentes da CET na ponta da Casa Verde, em São Paulo
    Agentes da CET na ponta da Casa Verde, em São Paulo

    É preciso estudar os números para chegar a conclusões mais sólidas, que permitam adotar medidas que criem um ciclo virtuoso. A Prefeitura analisa hipóteses que podem ajudar a compreender o comportamento dos 473 mil infratores constantes e reprimir suas práticas.

    A primeira suspeita recai sobre uma janela de impunidade, um "buraco na lei": os casos de empresas que não apontam nomes dos motoristas responsáveis pelas infrações cometidas por seus carros. Quando um veículo é licenciado em nome de pessoa jurídica, a notícia da multa é enviada com o pedido de identificação do responsável; se ele não for revelado, uma nova multa é emitida, com valor dobrado. Podem se beneficiar dessa prática tanto carros piratas (não importa quantos boletos forem enviados, não serão pagos jamais e depois tampouco o carro será licenciado) quanto gente endinheirada, para quem o valor triplicado não pesa no orçamento.

    Uma possibilidade de diminuir essa prática é impedir o licenciamento de carros de empresas que não tenham identificado responsáveis por multas que tenham recebido no último ano. É uma boa medida para dar tratamento igual a todos perante a lei, mas poderá enfrentar resistência barulhenta. E necessita de regulamentação federal.

    Considerando o impacto do discurso contra as multas durante a campanha eleitoral do ano passado (além do eleito, João Doria, dois outros candidatos, Celso Russomanno e Marta Suplicy, atacaram a "indústria da multa ), pode-se imaginar que uma fração histérica de eleitores se apropriou do espaço público enquanto a maior parte da sociedade bem-comportada se mantinha calada. A Prefeitura, no entanto, não deve se curvar ao risco de desagradar uma pequena fração da sociedade diante da possibilidade de melhorar a segurança do trânsito em toda a cidade.

    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

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