• Colunistas

    Tuesday, 21-May-2024 10:36:09 -03
    Leão Serva

    Acabar com vagas gratuitas nas ruas pode cobrir o subsídio para os ônibus

    11/12/2017 09h19

    Rivaldo Gomes/Folhapress
    Carros estacionados rua Alvinópolis na altura das estações Penha e Vila Matilde do metrô de SP
    Carros estacionados rua Alvinópolis na altura das estações Penha e Vila Matilde do metrô de SP

    Diariamente um milhão de carros estacionam de graça nas ruas de São Paulo. As vagas pagas, de Zona Azul, são cerca de 35 mil, uma fração ínfima. Trata-se de um dos mais fortes subsídios que o dinheiro de toda a população paga para uma minoria. Ao permitir esse uso privado de áreas comuns, o poder público trabalha como uma espécie de "Robin Hood às avessas": tira de todos, inclusive os mais pobres para dar a poucos, entre os quais os mais ricos.

    O dado publicado no interessante artigo "O trânsito de São Paulo tem solução?, do engenheiro e sociólogo Eduardo Vasconcellos, na Folha de domingo (10/12), convida à reflexão sobre como mudar a cultura carrocêntrica e realmente melhorar a mobilidade das cidades, a começar pela capital paulista.

    As ruas e avenidas ocupam em torno de 20% do território da cidade. Ou seja, a cada dez metros quadrados ocupados, 2 metros são asfaltados. São vias construídas, pavimentadas e mantidas para o automóvel. Frequentemente a prefeitura gasta caminhões de asfalto e dinheiro para recapeá-las (agora mesmo o programa está sendo anunciado como uma das realizações do prefeito João Dória).

    Todo esse volume de investimentos corresponde a centenas de bilhões de reais aplicados ao longo de décadas para beneficiar os automóveis, incentivando as pessoas a se deslocarem com ele. Não fosse assim, as ruas poderiam ser mais estreitas e as calçadas, mais largas e bem cuidadas, beneficiando pedestres e ciclistas; jardins poderiam ocupar mais espaço e as prefeituras gastariam menos com asfalto. A poluição ambiental seria reduzida.

    O norte-americano Donald Shoup, respeitado urbanista da universidade UCLA, na Califórnia, ensina em seu livro "The High Cost of Free Parking" (O Alto Custo do Estacionamento Grátis ) que oferecer vagas gratuitas tem o mesmo efeito indutor do carro que dar gasolina de graça. Pior, ao olhar os Estados Unidos e a Europa, Shoup se refere principalmente a estacionamentos particulares, porque lá as vagas gratuitas em áreas públicas são menos comuns que em São Paulo.

    Cobrar para os automóveis pararem em locais públicos é um mecanismo fundamental de controle da Mobilidade e justiça social. O preço mais caro torna mais difícil a decisão de ir trabalhar, estudar ou fazer compras de carro. Além disso, é um mecanismo justo de arrecadação para a prefeitura: se um motorista quer usar para si um pedaço da via pública, que é de todos, deve pagar por isso.

    Vasconcellos considera uma tarifa média de R$ 10/dia para cada vaga (bem mais barato que a Zona Azul) para mostrar que a arrecadação anual seria de R$ 3 bilhões. É dinheiro suficiente para cobrir o subsídio da tarifa do Bilhete Único. E, inversamente, transporte público mais barato é um poderoso indutor da decisão de usar trens e ônibus para o deslocamento.

    Respondendo à pergunta que serviu de título ao artigo, o trânsito tem solução, desde que o dinheiro público não seja usado para incentivar o uso do carro que vai congestionar as ruas.

    A TAMOIOS E A "MENTALIDADE EMPREITEIRA"

    Predominaram as críticas ao texto "Ao duplicar a Tamoios, Alckmin joga bilhões fora, publicado nesta coluna na semana passada. Foram quatro argumentos principais: melhorar o congestionamento em geral; permitir o deslocamento de quem mora no Litoral e trabalha na Capital; dar segurança e melhorar o transporte de cargas do porto de São Sebastião.

    Mantenho o que disse no texto da coluna. Todos os argumentos são possuídos por uma "mentalidade empreiteira", que tanto beneficiou as construtoras de obras públicas nas últimas décadas, ao propor sempre obras como solução para todos os problemas.

    Trabalhei muitos anos com pessoas, inclusive de alta renda, que moram em Santos, Itu, Jundiaí ou Campinas e trabalham na Capital. Muitos se deslocam em ônibus, lendo, trabalhando, se distraindo ou dormindo. Têm qualidade de vida melhor do que os que vão guiando. Duplicar a Tamoios só vai aumentar o tipo estressado.

    Em carta, a assessora citou dois argumentos: a duplicação vai tornar mais segura a rodovia, o que salvará vidas; e vai melhorar o transporte de cargas do porto de São Sebastião. São ideias equivocadas: os especialistas de segurança no trânsito propõem muitas medidas para salvar vidas nas estradas; entre elas não está o aumento de vias que, ao contrário, pode prejudicar a segurança de pedestres, por exemplo. E se o foco fosse escoar cargas do porto, o governador Alckmin pediria empréstimo para uma ferrovia.

    "Duplicar vias para resolver congestionamentos é como uma pessoa gorda alargar o cinto para combater obesidade". A frase de um estudioso norte-americano foi citada em um comentário favorável ao texto. Não é coincidência obesidade e congestionamento serem os males do Brasil neste século 21.

    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024