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    Leão Serva

    Sebastião Salgado plantou florestas e já colhe água

    18/12/2017 02h00

    Uma fazenda seca, sem água, virando deserta onde, meio século antes, havia lagos com peixes e jacarés, cachoeiras e uma floresta alta e cheia de espécies animais. Entre os dois momentos, ocorreu o desflorestamento e a ocupação da propriedade pelo gado. Ao voltar à terra onde foi criado, no norte de Minas Gerais, cerca de duas décadas atrás, Sebastião Salgado sentiu uma profunda depressão.

    A recuperação do lugar começou quando Lélia Wanick Salgado, companheira de Salgado há 50 anos, se lembrou como a cidade do Rio de Janeiro superou uma profunda crise hídrica ao expulsar fazendas e plantar no lugar milhares de árvores nativas para criar a atual floresta da Tijuca. Isso foi no século 19, ao tempo do imperador Pedro 2º. Em 15 anos, foram plantadas 100 mil mudas de árvores e logo a água voltou às torneiras cariocas.

    Os Salgado decidiram fazer a mesma coisa na fazenda no município de Aimorés. Sob o nome de Instituto Terra, a área de 700 hectares foi reflorestada com cerca de 250 espécies nativas da região a partir de 1999. A esta altura já são 2 milhões de árvores plantadas (20 vezes mais que na Tijuca). A floresta ainda não tem a altura máxima, mas o regime hídrico já se recuperou, as 8 nascentes originais, secas nos anos 1990, produzem água em fluxo constante até mesmo na época da estiagem em Minas. Voltaram para a área animais de espécies ameaçadas, inclusive onças pardas, jaguatiricas e jacarés que tinham desaparecido da região.

    O investimento não é pequeno: cerca de US$ 25 mil (hoje, quase R$ 100 mil) são necessários para reflorestar cada hectare e cuidar dele. É bastante dinheiro que, no entanto, gera frutos permanentemente. Ao mesmo tempo, não é nada se comparado aos valores sempre citados para as soluções de engenharia de represamento de açudes, transposição de rios, bombeamento de águas de outras bacias, de dessalinização da água do mar e todas as outras soluções típicas da "mentalidade empreiteira" tão influente no Brasil.

    Desde a grande crise hídrica que assolou São Paulo no início desta década, muito foi feito para garantir o abastecimento de água nas casas dos paulistas. O maior Estado do país foi aquele que primeiro sofreu a seca que durou três anos. Houve até quem acusasse o governo paulista de ineficiência, um oportunismo político que logo se tornou inviável, quando a falta de água atingiu outros Estados, independentemente da cor política de seus governos.

    Mas tão logo passou a fase mais aguda da crise, voltamos a ficar reféns exclusivos da"mentalidade empreiteira". São Paulo solucionou o risco de abastecimento de água, como anuncia a estatal de saneamento, só com obras de engenharia.

    Não se fala mais em reflorestar as áreas dos mananciais, as invasões destroem as bacias da zona sul, as fazendas de gado as da zona norte e estradas são propostas para áreas de preservação. Tudo isso a custos trilionários em longo prazo.

    A "mentalidade empreiteira" precisa que os cidadãos esqueçam as alternativas baratas para que os governantes possam propor soluções de engenharia para todos os problemas que nos assolam. Mesmo quando embaixo de nosso nariz, na Tijuca ou em Aimorés, é possível ver que plantar florestas é a melhor forma de colher água.

    Fabio Braga - 17.nov.2015/Folhapress
    AIMORES, MINAS GERAIS, BRASIL, 17-11-2015: O fotografo Sebastiao Salgado faz palestra no Instituto Terra, para autoridades locais e Ìndios Krenak, sobre a preservacao e recuperaÁo do leito do Rio Doce. Lama toxica avanca pelo Rio Doce. (Foto: Fabio Braga/Folhapress, COTIDIANO)***EXCLUSIVO***.
    O fotógrafo Sebastião Salgado
    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

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