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Paulo Maluf e o antigo aliado José Maria Marin, ex-presidente da CBF, foram presos na última terça (19) |
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Thursday, 16-May-2024 15:03:23 -03Leão Serva
Papai Noel: prende Maluf e fecha o Minhocão
25/12/2017 02h00
Papai Noel levou Paulo Maluf para a cadeia. Após quase meio século de gestões polêmicas, marcadas por obras faraônicas, frequentemente acusadas de superfaturamento, termina a trajetória do político símbolo da "mentalidade empreiteira" que domina o Brasil desde a década de 1920. O deputado agora preso encarnou, até mais que seu criador, Washington Luís (1869-1957), a ideia de que "governar é construir estradas", avenidas, minhocões, cebolões, viadutos e todo tipo de "complexos viários".
Mesmo para quem não acredita em Papai Noel, chamou atenção a coincidência de o bom velhinho, no mesmo dia, ter levado à prisão também o vice de Maluf, José Maria Marin (que assumiu o governo do Estado, em 1982, quando Maluf deixou o cargo para se candidatar a deputado), condenado nos EUA por corrupção no futebol internacional.
Presos os dois, agora é preciso decifrar a mensagem do Santo da Lapônia, não perder a oportunidade de aprender que eles, embora mais explícitos, apressados e vorazes, representam um tipo de político extremamente comum na vida brasileira. O administrador público com "mentalidade empreiteira" é daninho mesmo quando honesto, pois faz mal aos cofres públicos e ao planeta.
O melhor presente que o Brasil pode extrair desse Natal, das prisões de personalidades tão paradigmáticas, é a condenação também da cultura que uniu governos às grandes empreiteiras de obras públicas.
O ocaso dessa visão permite interpretar também as criações dos "empreiteiristas" eleitos no passado. No caso de Maluf, foram dezenas de obras sem sentido, das quais o Minhocão (concebido na gestão de 1969-71) é o ícone: construído sem estudo preliminar, não atendia necessidades, nem do trânsito de carros nem das linhas de ônibus; tirou verba destinada à Linha Vermelha do Metrô e algumas de suas estacas foram enfiadas onde deveria ser implantado o túnel, adiando em vários anos a sua inauguração. Além disso, induziu à criação de congestionamentos em poucos meses e destruiu o tecido urbano de um bairro harmônico e plural.
Sua única finalidade foi ser construído, criar a imagem de administrador ousado. Já na época, o povo dizia que o Elevado levava da fábrica ao escritório da Eucatex (na av. Francisco Matarazzo, onde hoje fica a Uninove). Apesar da censura vigente, logo surgiram as suspeitas de corrupção e as campanhas por seu desmonte.
No segundo mandato de prefeito (1993-96), Maluf fez outro "elefante branco", a avenida Roberto Marinho, de onde foi saiu parte do dinheiro depositado em suas contas na Ilha de Jersey. Também leva carros a lugar nenhum, termina abruptamente. Tem o mesmo padrão de desperdício de dinheiro público: mesmo que cerca de 20% do valor total não tivessem sido desviados, a obra seria equivocada tecnicamente, injustificável.
Hoje se discute se construções desse tipo são feitas para gerar propina ou se a corrupção paga para garantir que obras sejam realizadas. É discussão bizantina, que devemos superar: a "mentalidade empreiteira" é perniciosa em si, independente de ser causa ou efeito.
Por isso mesmo, como parte do pacote de bondades para o Brasil neste fim de ano, Papai Noel brindou São Paulo com a aprovação da lei que aumenta o tempo de fechamento do Minhocão. O projeto, votado pela maioria da Câmara dos Vereadores, dá oportunidade de começarmos a desmontar Maluf, corrigindo quando possível as suas aberrações. Fechar o Minhocão não tem ônus para o trânsito e repara, ainda que tarde e parcialmente, seus males.
O atual prefeito, João Dória, disse que iria olhar os relatórios da CET antes de sancionar ou vetar o projeto do Legislativo. Se tiver acesso aos mesmos estudos de que a coluna teve notícia, vai assinar a lei.
Assim, Papai Noel, além de prender Maluf, também vai nos ajudar a apagar a sua herança maldita.
Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.
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