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    Leão Serva

    Papai Noel: prende Maluf e fecha o Minhocão

    25/12/2017 02h00

    Nelson Antoine/Folhapress/Seth Wenig/Associated Press
    Maluf’s defense team requested that he remain under house arrest until his case is decided; his lawyers cited his age (86) and health problems as justifications//Jose Maria Marin, of Brazil, right, is followed by reporters as he arrives to federal court in the Brooklyn borough of New York, Wednesday, Dec. 13, 2017. Closing arguments are set to take place in the New York trial of three former South American soccer officials charged in the bribery scandal engulfing the sport's governing body. (AP Photo/Seth Wenig) ORG XMIT: NYSW104
    Paulo Maluf e o antigo aliado José Maria Marin, ex-presidente da CBF, foram presos na última terça (19)

    Papai Noel levou Paulo Maluf para a cadeia. Após quase meio século de gestões polêmicas, marcadas por obras faraônicas, frequentemente acusadas de superfaturamento, termina a trajetória do político símbolo da "mentalidade empreiteira" que domina o Brasil desde a década de 1920. O deputado agora preso encarnou, até mais que seu criador, Washington Luís (1869-1957), a ideia de que "governar é construir estradas", avenidas, minhocões, cebolões, viadutos e todo tipo de "complexos viários".

    Mesmo para quem não acredita em Papai Noel, chamou atenção a coincidência de o bom velhinho, no mesmo dia, ter levado à prisão também o vice de Maluf, José Maria Marin (que assumiu o governo do Estado, em 1982, quando Maluf deixou o cargo para se candidatar a deputado), condenado nos EUA por corrupção no futebol internacional.

    Presos os dois, agora é preciso decifrar a mensagem do Santo da Lapônia, não perder a oportunidade de aprender que eles, embora mais explícitos, apressados e vorazes, representam um tipo de político extremamente comum na vida brasileira. O administrador público com "mentalidade empreiteira" é daninho mesmo quando honesto, pois faz mal aos cofres públicos e ao planeta.

    O melhor presente que o Brasil pode extrair desse Natal, das prisões de personalidades tão paradigmáticas, é a condenação também da cultura que uniu governos às grandes empreiteiras de obras públicas.

    O ocaso dessa visão permite interpretar também as criações dos "empreiteiristas" eleitos no passado. No caso de Maluf, foram dezenas de obras sem sentido, das quais o Minhocão (concebido na gestão de 1969-71) é o ícone: construído sem estudo preliminar, não atendia necessidades, nem do trânsito de carros nem das linhas de ônibus; tirou verba destinada à Linha Vermelha do Metrô e algumas de suas estacas foram enfiadas onde deveria ser implantado o túnel, adiando em vários anos a sua inauguração. Além disso, induziu à criação de congestionamentos em poucos meses e destruiu o tecido urbano de um bairro harmônico e plural.

    Sua única finalidade foi ser construído, criar a imagem de administrador ousado. Já na época, o povo dizia que o Elevado levava da fábrica ao escritório da Eucatex (na av. Francisco Matarazzo, onde hoje fica a Uninove). Apesar da censura vigente, logo surgiram as suspeitas de corrupção e as campanhas por seu desmonte.

    No segundo mandato de prefeito (1993-96), Maluf fez outro "elefante branco", a avenida Roberto Marinho, de onde foi saiu parte do dinheiro depositado em suas contas na Ilha de Jersey. Também leva carros a lugar nenhum, termina abruptamente. Tem o mesmo padrão de desperdício de dinheiro público: mesmo que cerca de 20% do valor total não tivessem sido desviados, a obra seria equivocada tecnicamente, injustificável.

    Hoje se discute se construções desse tipo são feitas para gerar propina ou se a corrupção paga para garantir que obras sejam realizadas. É discussão bizantina, que devemos superar: a "mentalidade empreiteira" é perniciosa em si, independente de ser causa ou efeito.

    Por isso mesmo, como parte do pacote de bondades para o Brasil neste fim de ano, Papai Noel brindou São Paulo com a aprovação da lei que aumenta o tempo de fechamento do Minhocão. O projeto, votado pela maioria da Câmara dos Vereadores, dá oportunidade de começarmos a desmontar Maluf, corrigindo quando possível as suas aberrações. Fechar o Minhocão não tem ônus para o trânsito e repara, ainda que tarde e parcialmente, seus males.

    O atual prefeito, João Dória, disse que iria olhar os relatórios da CET antes de sancionar ou vetar o projeto do Legislativo. Se tiver acesso aos mesmos estudos de que a coluna teve notícia, vai assinar a lei.

    Assim, Papai Noel, além de prender Maluf, também vai nos ajudar a apagar a sua herança maldita.

    leão serva

    Ex-secretário de Redação da Folha, jornalista, coautor de 'Como Viver em SP sem Carro', faz pesquisas no Warburg Institute, em Londres, com o apoio da Capes. Escreve às segundas.

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