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    Leonardo Souza

    Mais de 10 milhões de trabalhadores não terão benefício com novas regras

    29/01/2015 09h06

    A presidente Dilma Rousseff foi reeleita em outubro por uma apertada margem sobre seu adversário, o tucano Aécio Neves. Foram menos de 3,5 milhões de votos a favor da petista –marca bem estreita para o universo de 141,8 milhões de eleitores.

    Conforme a Folha revelou nesta segunda-feira (26), as medidas que alteram a concessão de direitos trabalhistas, anunciadas no final de dezembro, foram elaboradas e decididas pelo governo antes da eleição, em meados do ano passado. Segundo a coluna apurou, boa parte dos textos que deram origem às duas medidas provisórias que embasam as mudanças já estava redigida antes de agosto, em trabalhos feitos por equipes interministeriais, lideradas pela Fazenda do então ministro Guido Mantega.

    No final da tarde da segunda-feira, a Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência da República encaminhou para a Folha nota sobre a reportagem publicada naquele dia. A nota não contestava informações. Pelo contrário, confirmava que a equipe de Mantega havia participado da elaboração das novas regras trabalhistas. Mas a nota trazia ponderações e afirmações.

    Por exemplo: "Em maio do ano passado, [...] o Ministério do Desenvolvimento Social retirou 1,290 milhão de famílias do cadastro do Bolsa Família. Ou seja, cinco meses antes das eleições, o governo federal fez o maior corte de beneficiários do Bolsa Família na história - o que comprova que a campanha não pautou, e não pauta, o cronograma de medidas do governo".

    A cronologia das mudanças nas regras e o impacto das medidas sobre os trabalhadores inviabilizam o exercício da boa fé sobre o que diz o Planalto.

    No auge da campanha eleitoral, Dilma afirmou que não mexeria nas regras trabalhistas "nem que a vaca tussa". Pois as novas regras tornam muito mais rígidas as concessões dos benefícios trabalhistas. Limitam o acesso de milhões de trabalhadores a direitos como seguro-desemprego e abono salarial.

    Aos números e aos textos das medidas:

    a) hoje, no caso do abono salarial, o trabalhador que recebeu em média até dois salários mínimos e manteve vínculo formal de trabalho por um mês tem direito ao benefício. Com a nova regra, precisará ter trabalhado 180 dias ininterruptos. O valor do benefício também passa a ser proporcional aos meses trabalhados. Com essas mudanças, 9,94 milhões de trabalhadores serão excluídos desse direito constitucional. Boa parte dos demais receberá menos do que receberia hoje.

    b) no seguro-desemprego, a carência subiu de seis meses de permanência no emprego para 18 meses, no caso de acesso ao benefício pela primeira vez. Na segunda vez, passa para 12 meses de carência. Com essas delimitações, 4,8 milhões de trabalhadores que receberam o benefício em 2013 não teriam direito ao seguro.

    Os cálculos são do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socieconômicos), que tem por meta desenvolver pesquisas que sirvam de base para as reivindicações dos trabalhadores sindicalizados.
    Os trabalhadores sindicalizados são a origem e até hoje a base do PT.

    SEM DIREITOS

    Certamente há uma grande sobreposição entre os 9,94 milhões de trabalhadores que serão excluídos do direito ao abono, segundo o Dieese, com os 4,8 milhões de trabalhadores que não receberiam seguro-desemprego. Pode-se afirmar, contudo, com pouca margem para erro, que se essas regras tivessem sido implantadas no início de 2014 mais de 10 milhões de trabalhadores não teriam recebido seus direitos constitucionais.

    As centrais sindicais já começaram a fazer campanha contra as mudanças nas regras trabalhistas.

    Desses 10 milhões de trabalhadores quantos teriam votado em Dilma se a concessão dos benefícios tivesse sido alterada no início ou em meados do ano passado? Bastaria que dois milhões de votos (dos 3,5 milhões de vantagem) migrassem para o candidato adversário para que a petista perdesse.

    As medidas atingem também outros direitos, como seguro-defeso (pago a pescadores) e pensões por morte, o que torna a conta de 10 milhões de trabalhadores ainda mais modesta.

    "A redução dos gastos com o abono salarial terá impactos sobre a população mais vulnerável, que é a mais afetada por algumas das características mais perversas do mercado do trabalho brasileiro, como a rotatividade elevada e baixos salários. Para se ter uma ideia, 43,4% dos trabalhadores formais permanecem por menos de seis meses num mesmo emprego e mais da metade –54,8%– ganhavam, em 2013, até dois salários mínimos", escreveram os economistas do Dieese no estudo sobre o tema.

    Num momento em que a economia patina e os gastos públicos explodiram, as revisões trabalhistas (se não no todo, pelo menos em parte) são bem-vindas. Corrigem uma série de distorções, como casamentos arranjados entre sobrinhas novas com tios idosos para "herdarem" aposentadorias por morte.

    O problema maior decorre não do conteúdo das medidas, mas do vácuo entre o período em que foram elaboradas e a data do anúncio das mesmas. Difícil, muito difícil acreditar no que afirma a Secom, que "a campanha não pautou, e não pauta, o cronograma de medidas do governo".

    leonardo souza

    Escreveu até setembro de 2015

    Vencedor de dois prêmios Esso na Folha, atuou na cobertura de política e economia em São Paulo e Brasília.

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