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    Leonardo Souza

    Por que não taxar os mais ricos?

    28/05/2015 02h00

    Nesta terça-feira (26), o senado aprovou a medida provisória 665, que restringe o acesso a benefícios trabalhistas como o seguro-desemprego e o abono salarial. Com a iniciativa, tomada para tapar o rombo das contas públicas, o governo espera economizar neste ano algo em torno de R$ 5 bilhões. Esse número deve aumentar em 2016, pois as novas regras do abono só terão impacto nas despesas do governo a partir do ano que vem.

    Conforme a Folha revelou nesta terça, a equipe do ex-ministro Guido Mantega (Fazenda) deixou uma proposta para criar no Brasil o IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas), previsto na Constituição, mas nunca implementado. Joaquim Levy, sucessor de Mantega, não quis, contudo, abraçar o tributo, por considerá-lo pouco eficaz e de baixo potencial arrecadatório.

    A criação do IGF no Brasil é bandeira da bancada do PT no Senado, defendida como forma de mitigar o desgaste causado aos congressistas da sigla com o endurecimento das regras de acesso aos direitos trabalhistas e previdenciários.

    Estudo realizado pela consultoria do Senado, a pedido da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), estimou o potencial de arrecadação do IGF no Brasil em até R$ 6 bilhões por ano –até mais do que a mudança no seguro-desemprego.

    Cabem aí várias perguntas. A primeira delas: se Mantega foi o ministro da Fazenda mais longevo do Brasil, por que ele não adotou o tributo, em vez de deixar uma proposta para seu sucessor?

    A revisão das regras de acesso aos direitos trabalhistas e previdenciários corrige muitas distorções, como no caso de pensão por mortes. Limita bastante, por exemplo, o golpe dos casamentos arranjados, em que uma menina nova tinha a perspectiva de receber por décadas pensão deixada pelo "marido" muito mais velho.

    Levy está louco por arrecadar, de um lado, e cortar gastos, de outro. Daí a segunda pergunta: por que dificultar somente os direitos trabalhistas, ainda que corrigindo distorções? Por que o "andar de cima" também não pode dar um pouco?

    Sem dúvida, o IGF é um tributo controverso. Na Europa ocidental, somente Bélgica, Portugal e Reino Unido nunca adotaram o imposto. O Reino Unido, contudo, assim como os Estados Unidos, têm uma pesada carga, de até 40%, na transferência de propriedade de bens por falecimento. Nos últimos 20 anos, muitos outros países, como Áustria, Itália, Dinamarca e Alemanha, extinguiram o IGF.

    Outros, com a crise de 2008, como Espanha e Islândia, resgataram o tributo, como medida para recompor suas contas.

    Também adotam algum formato de IGF Holanda, França, Suíça, Noruega, Luxemburgo e Hungria. Entre os vizinhos da América do Sul que mantêm essa política em sua base fiscal estão Uruguai, Argentina e Colômbia.

    Os autores do estudo do Senado ressaltaram que muitos fatores poderiam elevar ou diminuir drasticamente o potencial de arrecadação do IGF. No lado da redução, uma transferência de recursos ou de domicílio fiscal para outros países, por exemplo.

    No lado do aumento, a certeza de que há muita sonegação de informação sobre bens no Brasil e imóveis declarados por valores muito abaixo dos de mercado.

    Um auditor da Receita, que pediu para não ser identificado, estimou que, se o Brasil tivesse a mesma carga de arrecadação com o IGF do que a França, como proporção de sua economia, poderíamos recolher R$ 12 bilhões com o tributo. Mas ele considera esse número exagerado e acredita que algo entre R$ 4 bilhões e R$ 6 bilhões é mais realista.

    O economista José Roberto Afonso, pesquisador do IBRE/FGV e professor do IDP, diz que o Brasil já é campeão entre os emergentes no quesito carga tributária e que o potencial de arrecadação com o IGF não compensaria o desgaste político para adotá-lo.

    A economista Natassia Nascimento, atualmente mestranda pela UFF, escolheu a tributação sobre grandes fortunas como tema de sua tese de mestrado.

    "O IGF não é um bicho de sete cabeças, pois vários países ou o adotam ou já adotaram. Também não é um remédio para todos os males. O importante é tributar a riqueza e reorganizar nossa carga tributária, tornando-a mais progressiva."

    Natassia quer dizer que, no Brasil, os tributos indiretos, sobre o consumo, são muito altos. Esse perfil de taxação é injusto, pois os mais pobres pagam a mesma alíquota que os mais ricos sobre os bens adquiridos.

    Taxar progressivamente, como no Imposto de Renda ou no IGF, é cobrar mais de quem pode contribuir mais, "desonerando as classes mais baixas", como diz Natassia.

    Um exemplo que o Brasil poderia seguir é o da Espanha. Depois de extinguir seu IGF, o país do príncipe Felipe de Borbón resolveu retomar o tributo em 2011. Mas com duração de quatro exercícios financeiros, somente para ajudar na recuperação das contas do país, após o estrago provocado com a crise de 2008.

    leonardo souza

    Escreveu até setembro de 2015

    Vencedor de dois prêmios Esso na Folha, atuou na cobertura de política e economia em São Paulo e Brasília.

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