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    Luciana Coelho

    Gervais volta a incomodar com 'Derek'

    29/09/2013 02h57

    Ricky Gervais nunca gostou de humor fácil. Em caso de dúvida sobre a linha entre sombria e desconcertante na qual navega o comediante inglês, o desafio é assistir a sua série mais recente, "Derek", feita para a britânica Channel 4 e disponibilizada no Netflix neste mês.

    A produção, em sete episódios, narra o cotidiano de um funcionário de um asilo de orçamento curto na Inglaterra, o Derek do título.

    Sujeito simplório e de coração puro, apaixonado por sua supervisora Hannah (Kerry Godliman), ele é uma espécie de antítese de David Brent, o gerente socialmente inábil que protagoniza a versão inglesa (a original) de "The Office".

    Por algum motivo, porém, o adorável Derek (também vivido por Gervais, que escreve e dirige a série) faz o espectador se sentir praticamente tão mal quanto Brent.

    Pode ser seu excesso de crença na humanidade, em um ambiente árido, que à primeira vista não oferece entretenimento --ao menos não do tipo que rende séries de TV.

    Divulgação
    O ator Ricky Gervais em cena da série "Derek", que se passa em asilo
    O ator Ricky Gervais em cena da série "Derek", que se passa em asilo

    Pode ser pelo contraste de sua personalidade com a de seus melhores amigos, o desocupado Kev (David Earl) e o zelador Dougie (Karl Pilkington, seu parceiro em "The Ricky Gervais Show" e apresentador de "An Idiot Abroad"), dois sujeitos cuja vida passa insipidamente.

    Ou pode ser só porque é melancolicamente incômodo acompanhar o cotidiano de um asilo, e ver crua a velhice debilitante ou solitária, ainda que com algum conforto.

    Sim, Derek é profundamente humano e tem momentos cômicos, daquele tipo de humor que faz rir sem pensar, em falta na TV hoje. Mas a sensação ao final não é de leveza, é quase de dor. E este parece ser exatamente a intenção de Gervais.

    Como "The Office", "Derek" imita um documentário, com depoimentos para a câmera que reforçam o contraste entre os protagonistas.

    Em seu próprio blog, o comediante negou que o personagem tenha algum tipo de distúrbio ou transtorno (desde que foi exibida no país de origem no ano passado, a série suscitou discussões sobre o autismo).

    "Não [ele não tem uma deficiência], mas que diferença faria?", escreveu Gervais, que define seu personagem como "herói".

    "Mas sim, a ideia era que Derek fosse diferente. Que ele fosse marginalizado pela sociedade e que levasse gente desligada que precisa rotular as pessoas a tirar conclusões; que ele surpreendesse e derrubasse estereótipos", continua.

    "E ele foi concebido para parecer estranho, falar de um jeito engraçado, usar um corte de cabelo ruim e não ter nenhuma noção de moda, e não ligar para nada disso, porque ele sabe que isso não é importante."

    A série é bem-sucedida nesse intento, e é difícil desligar-se dessa mensagem logo após assisti-la.

    Se isso rende drama ou humor é outra história. Como tudo vindo de Gervais, rende polêmica. Desta vez, porém, por uma boa causa.

    Os sete episódios de "Derek" estão no Netflix

    luciana coelho

    É editora de 'Mundo' e foi correspondente em Nova York, Genebra e Washington. Escreve às sextas sobre séries de TV.

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