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    Luciana Coelho - Luciana Martins Coelho Silva

    Soderbergh expõe lado monstro de médico

    31/08/2014 02h00

    Nos anos 1900 usava-se muita cocaína nos hospitais nova-iorquinos (médicos, não pacientes). Brancos e negros eram separados, com os últimos tratados como pacientes de segunda classe. Cesarianas e outros procedimentos cirúrgicos eram um experimento de alto risco. E administradores eram ávidos por verba.

    É esse o retrato, com a fotografia sóbria que lhe é peculiar, feito pelo cineasta Steven Soderbergh ("Traffic") no drama "The Knick", que estreou na HBO no Brasil no último dia 15, uma semana depois dos EUA.

    A série se propõe uma espécie de ancestral dos dramas hospitalares tão populares nas últimas décadas. Da tensa e longeva "Plantão Médico" à melosa "Grey's Anatomy", o subgênero se mostrou rentável e ganhou até comédias ("Scrubs").

    Mas se seus pares se preocupam em humanizar os médicos, tirando-lhes de um pedestal e enchendo-lhes de problemas mundanos, "The Knick" avança e expõe o lado "monstro" de seus personagens.

    O protagonista John Thackery (Clive Owen, de "Closer" e "Filhos da Esperança") é uma espécie de dr. House turbinado por cocaína, um ego inflado e um descaso pela humanidade ainda maior.

    (Owen, um ator tão bom quanto subestimado, imprime melancolia, empáfia e poder de atração ao cirurgião-chefe do hospital Knickerbocker, em Nova York; ainda assim, fica aquém do House de seu conterrâneo inglês Hugh Laurie.)

    O hospital que ele dirige (o "Knick" ) atende imigrantes, é sujo e caótico, opondo-se ao cenário asséptico reservado às séries médicas.

    "The Knick" deve suas melhores partes, porém, a "Downton Abbey" e a Robert Altman e seu "Assassinato em Gosford Park" (em que Owen, aliás, atuou). A divisão médicos/enfermeiras e brancos/negros tem muita semelhança com a de nobres e serviçais ingleses retratadas nas produções "contemporâneas".

    O antagonista do doutor Thack, obrigado a escolher um vice após ser promovido com o suicídio de seu antecessor e mentor, é Algernon Edwards (André Holland), um cirurgião brilhante que estudou em Harvard, trabalhou na Europa e é negro. A tensão entre os dois conduz a trama, e a questão racial permeia o roteiro, para o bem e o mal.

    Rasa algumas vezes, "The Knick" é, ao menos, verdadeira em sua premissa, "a medicina moderna tinha que começar em algum lugar". Não se aflige em revirar entranhas, literais e figuradas, de uma carreira vista como acima de todas as demais.

    Soderbergh, que parece ter migrado mesmo para a TV, já conseguiu uma segunda temporada de dez episódios, apesar de a crítica e a audiência estarem divididas ainda.

    É cedo para veredictos, mas a série pode ser memorável caso deixe a bidimensionalidade dos primeiros episódios. Por ora, perde em sutileza e carisma para outro drama de época sobre medicina no mesmo canal, "Masters of Sex", cuja segunda temporada acaba de estrear.

    "The Knick" é exibido pela HBO Max às sextas, 21h, com reprises na semana; o 1º episódio está on-line.

    luciana coelho

    É editora de 'Mundo' e foi correspondente em Nova York, Genebra e Washington. Escreve às sextas sobre séries de TV.

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