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    Luciana Coelho

    'Kimmy Schmidt', de Tina Fey, é Mary Poppins pós-Rivotril

    15/03/2015 02h00

    Cansada de ser questionada sobre a afirmação do polemista Christopher Hitchens (1949-2011) de que as mulheres nunca são engraçadas, Tina Fey respondeu certa vez, com um palavrão e uma piada, que se lixava para o que ele achava. Com uma carreira cheia de prêmios, pioneirismo e amor do público, afinal, Fey é a prova de que Hitchens errou.

    Primeira e única mulher a chegar ao topo da cadeia alimentar humorística americana –foi roteirista-chefe do "Saturday Night Live" de 1999 a 2006–, a comediante acaba de pôr fim ao hiato que se seguiu ao término da inspirada sitcom "30 Rock", preenchido com coisas como apresentar o Globo de Ouro e o best-seller "A Poderosa Chefona" (2011).

    "Unbreakable Kimmy Schmidt" (a indomável Kimmy Schmidt), sitcom que ela criou com o ex-colega Robert Carlock, estreou no dia 6 na Netflix com muita cor, nonsense, humor ácido e sacadas ultrapop (ou: diversão garantida para fãs e 20 minutos de risadas descomprometidas).

    Divulgação
    Tituss Burgess e Ellie Kemper em 'Unbreakable Kimmy Schmidt'
    Tituss Burgess e Ellie Kemper em 'Unbreakable Kimmy Schmidt'

    "Kimmy" é a história de uma moça que passa 15 anos presa no bunker do líder de uma seita apocalíptica no miolo dos EUA, é libertada e decide ficar em Nova York após participar de um programa de TV.

    Aluga de uma traficante (Carol Kane) um apartamento que passa a dividir com um aspirante a ator com ataques de diva (Tituss Burgess, egresso da Broadway) e é contratada como babá por uma ex-aeromoça que deu o golpe do baú (Jane Krakowski, a Jenna de "30 Rock", dona das melhores falas da série).

    O papel principal coube a Ellie Kemper (a Erin de "The Office"), que com sua cabeleira ruiva e sua energia inesgotável dá à protagonista o misto de doçura e psicopatia necessário. Sua Kimmy é uma espécie de Mary Poppins movida a Rivotril, às voltas com mudanças tecnológicas e culturais em uma cidade caótica.

    Com um texto que explora o absurdo e alfineta o comportamento social moderno, "Kimmy" cativa gerações diferentes do público. Cores sempre vibrantes e canções pop cheias de trocadilhos dão à série estética própria, o suficiente para destacá-la no pelotão de sitcoms da TV aberta, que anda meio insosso.

    Sem as barreiras de um grande canal americano, Fey fica à vontade para fazer troça de qualquer coisa, indo da crítica ao humor de ônibus escolar em fração de segundo.

    O quarto episódio, com Martin Short como um cirurgião plástico viciado em bisturi, é do tipo que vem à cabeça no meio do dia e faz você rir sozinho. Aproveite que a série foi lançada em lote, tática que catapultou "House of Cards", mas pouco tinha feito pelas sitcoms.

    "Kimmy" só não chega ao nível de "30 Rock" (ainda) porque falta Tina Fey como intérprete (bom, e Alec Baldwin). Mas prova que, aos 44, ela é a pessoa mais competente fazendo comédia na TV/web em sua geração, sem divisão por gênero.

    O maior sinal disso é que Fey acaba de ser apontada por uma pesquisa de opinião do respeitado instituto Quinnipiac como a preferida do público para pilotar o "talk show" humorístico-jornalístico-político "Daily Show" quando Jon Stewart se aposentar. Não é missão pequena.

    luciana coelho

    É editora de 'Mundo' e foi correspondente em Nova York, Genebra e Washington. Escreve às sextas sobre séries de TV.

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