• Colunistas

    Wednesday, 01-May-2024 20:55:23 -03
    Luciana Coelho

    'Dr. Fantástico', de Kubrick, inspira nova comédia de guerra 'The Brink'

    04/07/2015 17h02

    Não há obras definitivas sobre a Guerra Fria, mal enterrada em 1991 e talvez ainda ampla e próxima demais para análises acabadas; mas se alguma se aproxima da perfeição é "Dr. Fantástico", o filme sobre a iminência da aniquilação nuclear mútua entre EUA e Rússia que Stanley Kubrick dirigiu em 1964.

    É uma delícia, portanto, ver que a nova "The Brink", que estreou na HBO no dia 21, bebe nessa fonte de cinismo político e humor cáustico.

    Bônus: a série em dez episódios ainda tem Tim Robbins ("Um Sonho de Liberdade") fazendo humor (ônus: ela tem também Jack Black).

    O nome, algo como "a iminência", diz respeito, claro, ao botão nuclear. O governante maluco que pode acioná-lo está no Paquistão (interpretado por Iqbal Theba), recebeu um diagnóstico médico de esquizofrenia e tem acesso irrestrito à propaganda televisiva capaz de alimentar o antiamericanismo nas ruas.

    Do outro lado do globo, na Sala da Situação onde o presidente dos EUA reúne seu gabinete quando há grandes riscos à segurança iminentes, Robbins é um secretário de Estado viciado em sexo que precisa evitar que o general paquistanês lance a bomba contra Israel, principal aliado dos EUA a seu alcance.

    O movimento, afinal, detonaria a Terceira Guerra Mundial.

    Como em "Dr. Fantástico" ou na obra-prima-irmã "M.A.S.H." (1970, de Robert Altman, sobre a Guerra da Coreia), o alvo de piadas e críticas não é o inimigo, mas a própria obsessão bélica americana e os desencontros políticos decorrentes.

    Em "The Brink", o presidente é hispânico (Esai Morales) e a diretora da CIA, uma mulher (Mimi Kennedy) -o que deixa entrever um futuro próximo.

    Black interpreta um negligente diplomata de terceiro escalão que, lotado no Paquistão e por acaso com acesso ao diagnóstico do general, se vê no centro da crise nuclear.

    Robbins é um ator conhecido por seu ativismo progressista, e a série, da qual é produtor-executivo ao lado de Black, reflete isso. O resto da equipe tem talento e pouco apreço por tabus e limites em termos de temas e finesse -Roberto Benabib, o criador, é pai de "Weeds", Jay Roach, o principal diretor, assina a cinessérie "Austin Powers".

    A dúvida é se o fôlego mostrado nos dois primeiros episódios, com diálogos afiadíssimos, perdurará pelos oito seguintes. Rever Robbins é sempre bom, e seu timing cômico pouco deixa a dever para o talento para o drama que o consagrou. Já Jack Black é o mesmo no que quer que faça, o que pode cansar.

    Uma surpresa boa é Pablo Schreiber, o Pornstache de "Orange is The New Black", como Zeke, o piloto doidão incumbido de despejar a bomba americana (como homenagear "Dr. Fantástico" sem um?).

    Sátira política é campo minado, e a nostalgia que fascina alguns (a TV parece estar mesmo buscando um público não adolescente) não agrada a todos. "The Brink", ao menos, se inspirou nos melhores.

    "The Brink" é exibida pela HBO aos domingos, às 23h30

    luciana coelho

    É editora de 'Mundo' e foi correspondente em Nova York, Genebra e Washington. Escreve às sextas sobre séries de TV.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024