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    Luciana Coelho

    Com ator brilhante, 'Wolf Hall' mostra gênese da política moderna

    18/07/2015 17h03

    Há um período da história britânica, na transição da Idade Média para a Moderna, que todo político —e apreciador de política— deveria estudar. É fácil até para os avessos à academia, já que boa parte da narrativa ocidental de intrigas do poder, muito por causa de William Shakespeare, descende daí.

    A excepcional "Wolf Hall", que acaba de ser indicada a oito prêmios Emmy, incluindo o de melhor minissérie, é um exemplo bem acabado desse filão, espécie de manual de instruções de como chegar ao poder e nele se manter.

    Produzida pela BBC e dirigida por Peter Kosminsky, "Wolf Hall" é uma tia tranquila e classuda de coisas como "Game of Thrones" e "House of Cards" (que bebem na mesma fonte): não espere as matanças generalizadas da fantasia da HBO nem os personagens sedutores do drama do Netflix.

    A minissérie é, sobretudo, sóbria. Sem excessos, maneirismos nem edição frenética. E não que isso seja, por um só segundo, aborrecido.

    Inspirada no premiado primeiro livro (de três) de Hilary Mantel sobre Thomas Cromwell (1485-1540), o controverso conselheiro do rei Henrique 8º (1491-1547), a série instiga o espectador com diálogos perfeitamente alinhavados, direção de arte impecável e a atuação de Mark Rylance.

    Seria possível escrever uma coluna toda sobre a técnica e o carisma de Rylance, um ator de palco britânico de 55 anos e aparência comum, não fosse o olhar profundo e o rosto vincado como só os grandes do teatro podem ter. Não raramente, é reconhecido como o maior intérprete de Shakespeare vivo —e, na pele do pragmático Cromwell de Mantel, é fácil entender por quê.

    Aí entra a força do personagem: Cromwell foi uma figura central da corte de Henrique 8º na criação da Igreja Anglicana em uma Europa em ebulição; o filho de um ferreiro pobre que, com estudo, se consagrou como advogado e, eloquente, se tornou o protegido de um cardeal e, mais tarde, do próprio rei.

    Essa ascensão não ocorreu sem inimigos, principalmente na nobreza e na Igreja Católica, que perdeu propriedades com a Reforma.

    A História nem sempre é generosa com Cromwell, frequentemente descrevendo-o como arrivista. O livro de Mantel e a série, porém, o mostram como estadista perspicaz à frente de seu tempo, com ideias sobre eficácia de governo ainda atuais e úteis (sua vida farta em drama ajuda a narrativa).

    A corte de Henrique 8º com suas mulheres (a mais conhecida delas, Ana Bolena) e jovens nobres, que costuma ser protagonista, aqui vira um eficiente segundo plano.

    Damian Lewis, o Brody de "Homeland", faz um Henrique 8º pusilânime na medida (melhor que Jonathan Rhys Meyers em "Os Tudor"), e Jonathan Pryce (o Alto Pardal de GoT) constrói um cardeal Wosley paternal.

    "Wolf Hall" foi concebida como minissérie, com sete episódios. Tendo saído de uma trilogia literária, contudo, há chance de vermos mais.

    "Wolf Hall" está disponível no Netflix

    luciana coelho

    É editora de 'Mundo' e foi correspondente em Nova York, Genebra e Washington. Escreve às sextas sobre séries de TV.

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