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    Luciana Coelho

    Séries abraçam feminismo e suas nuances

    07/11/2015 17h15

    Patricia Arquette, ao receber seu Oscar de melhor atriz coadjuvante no início deste ano, fez um longo e tocante discurso sobre as limitações encontradas por mulheres na indústria do entretenimento: papeis estereotipados, valorização excessiva da aparência (algo que ocorre com os homens em menor grau), salários menores, barreiras à idade.

    O discurso rendeu um esquete no programa de Amy Schumer, no qual a atriz celebra com a humorista e com a roteirista Tina Fey o último dia "comível" de Julia Louis-Dreyfuss, a maior comediante viva da TV americana. O mote: após certa idade, atrizes deixam de interpretar personagens sexualmente desejáveis. Atores, velhos que sejam, costumam ter parceiras mais jovens.

    É genial, e a própria existência do esquete mostra que o telhado de vidro —a barreira invisível, mas persistente que limita avanços femininos— começa a ser rompida. Atrizes, roteiristas, comediantes, produtoras, youtubers e diretoras têm, com determinação, mudado o cenário. E a mudança é mais rápida na TV, mais voraz para absorver demandas da audiência em transição.

    O resultado aparece em uma temporada em que elas são numerosas (seria chute dizer que predominem; há cerca de 400 produções no ar neste ano) nas séries de ação; em que as piadas sujas saem também de bocas delicadas; em que protagonistas fortes são naturais e em que atrizes mais velhas, finalmente (Ann Dowd, Margo Martindale), ganham destaque -e não só para interpretar matronas ou vovozinhas.

    Veja a própria Julia Louis-Dreyfuss em "Veep" (ativamente sexy aos 54, aliás) para rir de peculiaridades femininas no poder; assista a qualquer série de Shonda Rhimes para absorver a naturalização das mulheres poderosas; acompanhe a dupla impagável de "Broad City" para entender o que é feminismo da geração do milênio; e "Empire" para uma protagonista arrebatadora.

    E mais para trás: Schumer, para rir e aceitar o apetite sexual feminino; "Transparent", para sensibilidade na direção; "Orphan Black" e "Homeland" para heroínas de ação; "Fargo" para a mente maquiavélica feminina; "Downton Abbey" para vanguardismo feminino; "The Affair" para as visões de mundo distintas de cada gênero; "House of Cards" para parcerias conjugais (e de dominação mundial); "Kimmy Schimdt" para humor perverso.

    Há muita coisa boa sendo produzida por elas, com elas e para elas -mas não só para elas, eis a graça.

    É suficiente? Provavelmente não. Há mais espaços a ocupar? Com certeza há. Diretoras são minoria, salários são mais baixos e sex-appeal ainda é pré-requisito vezes demais. Mas o cenário está mudando rapidamente. Não é pouco a celebrar.

    *

    A coluna chega a sua centésima edição. Foram 94 séries e cinco premiações resenhadas, mais esta aqui, para não passar batida a onda feminista que varreu a mídia escrita brasileira nesta semana. Aos leitores, obrigada pelas críticas, comentários e sugestões.

    Dedico esta ao ex-colega que, em 2005, debatendo política internacional, me devolveu que eu devia, como mulher, "debater novela". :-*

    luciana coelho

    É editora de 'Mundo' e foi correspondente em Nova York, Genebra e Washington. Escreve às sextas sobre séries de TV.

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