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    Luciana Coelho

    Identidade negra move em sentidos opostos 'The Get Down' e 'Black-ish'

    03/09/2016 16h51

    É preciso amar muito o diretor australiano Baz Luhrmann e seu estilo tudo-ao-mesmo-tempo-agora para apreciar por mais de 15 minutos a série "The Get Down", que a Netflix estreou no último dia 12.

    Em sua proposta de falar sobre a vicejante cultura pop negra na Nova York do fim dos anos 70, Luhrmann foi mais longe do que em suas empreitadas anteriores —"Romeu e Julieta" (1996), "Moulin Rouge" (2001), "O Grande Gastby" (2009) —e produziu, em seu primeiro trabalho em uma série de TV (ou internet), uma colagem de cenas que mais parece uma videoarte do que algo propriamente com enredo.

    Netflix/Divulgação
    Justice Smith (em primeiro plano) como Ezekiel em "The Get Down", série da Netflix dirigida por Baz Luhrmann
    Justice Smith (à frente) como Ezekiel em "The Get Down", série da Netflix dirigida por Baz Luhrmann

    "The Get Down" é visualmente instigante, uma orgia de sons e imagens, como a contracultura da cidade em geral. Mas é uma overdose cujo efeito colateral possível é a morte por tédio ou dispersão.

    Os seis primeiros episódios (a "segunda metade de temporada", seja o que for que isso signifique, sai em 2017) contam a história de Ezekiel Figuero (Justice Smith), um adolescente no Bronx de 1977 que anos depois será um astro de hip-hop, sua paixão pela jovem corista de igreja Mylene (Herizen F. Guardiola) e sua admiração pelo artista plástico Shaolim (Shameik Moore).

    Você já viu isso com adolescentes brancos em "Kids" (de Larry Clark, 1995), que se passa na mesma cidade nos anos 90. Passada a impressão inicial de sacrilégio, comparar os dramas pode ser um exercício útil sobre estética e clichês.

    É comum que a cultura negra seja retratada nas telas com muitos decibéis de exagero. Em alguns casos, esse volume é usado para confrontar estereótipos e reafirmar identidade, como na ótima "Empire", da Fox, ou mesmo na competente "Mister Brau", da Globo.

    Em "The Get Down", porém, ela apenas reforça uma contraproducente —e até ofensiva— aura de exotismo, não raramente (mas em muito menor escala) usada também ao retratar grupos de adolescentes.

    Na contramão, há "Black-ish" (algo como 'meio preto'), uma comédia-família indicada ao Emmy deste ano para melhor série cômica, melhor ator (Anthony Anderson) e melhor atriz (Tracee Ellis Ross, brilhante), cuja terceira temporada começa nos EUA no próximo dia 21.

    Exibida pela Sony e disponível na Netflix, mostra o dia a dia dos Johnson, um casal de classe média alta com quatro filhos que vive em um bairro majoritariamente branco e rico onde são os únicos negros.

    A questão da identidade de raça, do choque de gerações e da aceitação como par é tratada em horário nobre de maneira delicada e divertida, ainda que às vezes pareça uma versão repaginada (mas provocadora) do "Cosby Show" dos anos 80.

    Divulgação/ABC
    (A partir da esq.) Marcus Scribner. Tracee Ellis Ross, Amnthony Anderson, Laurence Fushburne, Yara Shahidi e as crianças Marsai Martin e Miles Brown, que interpretam os Johnson na série "Black-ish"
    (A partir da esq.) Marcus Scribner. Tracee Ellis Ross, Amnthony Anderson, Laurence Fushburne, Yara Shahidi e as crianças Marsai Martin e Miles Brown, que interpretam os Johnson na série "Black-ish"

    De trunfo, "Black-ish" traz Laurence Fishburne no papel de avô cínico/sábio, com lampejos do maravilhoso Morpheus que interpretou na trilogia "Matrix" para o cinema.

    É uma naturalização sem meias palavras com a qual a TV brasileira poderia muito bem aprender.

    "The Get Down" e "Black-ish" (em intervalo entre temporadas na Sony) estão disponíveis na Netflix

    luciana coelho

    É editora de 'Mundo' e foi correspondente em Nova York, Genebra e Washington. Escreve às sextas sobre séries de TV.

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