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    Luciana Coelho

    'Cara Gente Branca' traz dor da consciência

    07/05/2017 02h06

    Se você é branco e tem filhos, é possível que tenha tido calafrios ao ver o episódio final de "13 Reasons Why". Se você é preto e tem filhos, é mais provável que o que te assombre seja o quinto episódio de "Cara Gente Branca", da mesma Netflix, no ar desde a semana passada.

    O capítulo trata da violência policial canalizada para os negros, tema prevalente nos EUA que ressoa perfeitamente aqui.

    Adam Rose/Netflix
    A atriz Logan Browning, que interpreta a universitária Sam na série "Cara Gente Branca"
    A atriz Logan Browning, que interpreta a universitária Sam na série "Cara Gente Branca"

    Dói como uma porrada no estômago —de pretos e brancos, mas sobretudo de quem finge não ver diferenças—, assim como toda a dramédia em dez episódios criada por Justin Simien a partir de um filme homônimo de 2014.

    Apenas pelo alvoroço causado pela série em redes sociais, lá e cá, já valeria a pena acompanhá-la. "Cara Gente Branca" é irregular, como toda série/novela que dedica um episódio a cada personagem -o capítulo, afinal, só pode ser tão bom quanto seu protagonista. Mas é necessária, e em seus melhores momentos, genial.

    Primeiro o alvoroço: espectadores ofendidos com o nome do programa, por enxergar nele "racismo reverso" (sic), sugeriram o boicote da produção e da Netflix. Funcionou apenas para provar que a série estava no ponto.

    O público acorreu, e o programa recebeu resenhas estrelares de publicações ultrapops às mais sisudas ("importante e astuta", frisou o "Financial Times").

    O que "Cara..." faz de "astuto" é usar estereótipos surrados e sarcasmo irrefreável para colocar o espectador na pele de estudantes negros em um ambiente majoritariamente branco, o de uma faculdade de elite dos EUA.

    Ativismo, colorismo (a tese de que quanto mais escura a pele, maior o racismo sofrido), assimilação, apropriação cultural, síndrome do impostor, desejo de aceitação, relacionamentos inter-raciais: está tudo explícito por um texto ágil que, apesar do proselitismo, entretém e faz pensar.

    E não pense que a acidez é dispensada apenas para o público que mal faz ideia do que é viver como negro (não por acaso a história parte de uma festa de estudantes com o tema "black face", os rostos pintados de preto que por tanto tempo se usou no teatro).

    Há muita autoironia também com os ativistas o —escracho das séries de Shonda Rhimes, uma deusa da causa por sua naturalização dos protagonistas negros (das quais esta colunista é fã ), não deixam dúvida de que ninguém será poupado.

    Com um off poderoso de Giancarlo Esposito, de "Faça a Coisa Certa" e "Breaking Bad", "CGB" segue um grupo de universitários, alguns mais e outros menos engajados no movimento negro, a partir da personagem Sam (a desconcertante Logan Browning).

    À frente de um programa de rádio, é ela que cunha a expressão do título e a usa para expor situações que costumam passar batido. Mas Sam tem um namorado branco, e se vê obrigada de repente a dar explicações para os próprios colegas de ativismo.

    Bem colocadas, as nuances da série, porém, jamais se fazem confundir com relativismo. Veja.

    Os dez episódios de "Cara Gente Branca" estão disponíveis na Netflix

    luciana coelho

    É editora de 'Mundo' e foi correspondente em Nova York, Genebra e Washington. Escreve às sextas sobre séries de TV.

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