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    Luciana Coelho

    Jim Carrey explora gênese do stand-up

    18/06/2017 02h39

    Uma mulher, um negro, um mexicano, um judeu e uma matrona implacável entram num bar...

    A premissa de "I'm Dying Up Here" (algo como "estou morrendo aqui em cima do palco") poderia servir de mote para a clássica piada ruim americana, mas avança bem além disso.

    Ambientada na Los Angeles de 1973, a série que Jim Carrey criou e produziu para o canal Showtime sobre a era de ouro da comédia stand-up pode ser lida não apenas como um retrato quase burlesco do ambiente dos clubes cômicos, mas também sobre como preconceitos arraigados são difíceis de quebrar até em um ambiente supostamente liberal nos lisérgicos anos 1970.

    A estética da época foi bem absorvida nos figurinos psicodélicos e nos longos planos-sequência que acompanham os personagens pelo clube em que se apresentam, um celeiro de nomes bem-sucedidos que dispararam dali para a TV, inspirado no famoso Comedy Cellar, por onde passaram de Richard Pryor a David Letterman.

    A dona, Goldie, interpretada com vigor por Melissa Leo (oscarizada por sua atuação em "O Vencedor", de 2010), trata seu elenco de jovens comediantes com aquele carinho que treinadores ucranianos tratam suas ginastas olímpicas.

    Inspirada em uma figura real, Mitzi Shore, o papel central que sua Goldie exerce pode ser também comparável aos professores durões nos tantos filmes e séries do gênero.

    O foco, aqui, não são os astros, mas os comediantes em formação, e as inquietações e dores dessa trupe mal ajambrada –a história do palhaço que faz rir enquanto sua vida é só tristeza– já foram explorados com mais sutileza em outras series (como "Louie") e filmes (como "O Mundo de Andy", de Milo? Forman, protagonizado pelo próprio Carrey em 1999, sobre o comediante Andy Kaufmann).

    A relação com a fama e a falta dela, escancarada já no piloto com a partida brusca de um personagem, também dá estofo ao enredo.

    Mas é o humor como ferramenta de transgressão e de afirmação o interesse central de Carrey e do cocriador da série, David Flebotte (de "Masters of Sex", também agora ambientada nos anos 1970). Há, no roteiro, um quê de Christopher Hitchens (1949-2011), sarcasmo incluso.

    Uma mulher vai ser vista, no palco, além de seu par de seios? Um mexicano poderá contar outro tipo de piada que não sobre ser mexicano? O humor judeu pode existir sem sua incomensurável melancolia? E um negro será respeitado ali em cima, sem ouvir provocações racistas que, a julgar por episódios recentes, persistem?

    A série estreou nos EUA no início deste mês, e apenas dois episódios haviam ido ao ar quando esta coluna foi escrita. Trata-se claramente de um drama, apesar das notas cômicas (às vezes dolorosamente), e a atenção central recai, por ora, sobre a personagem Cassie (Ari Graynor). Não há previsão para exibição no Brasil.

    luciana coelho

    É editora de 'Mundo' e foi correspondente em Nova York, Genebra e Washington. Escreve às sextas sobre séries de TV.

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