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    Luciana Coelho

    Percalços de adolescente autista são tratados com leveza em 'Atypical'

    24/09/2017 02h00

    Divulgação
    Keir Gilchrist (Sam) e Jennifer Jason Leigh (Elsa) em cena de 'Atypical
    Keir Gilchrist (Sam) e Jennifer Jason Leigh (Elsa) em cena de 'Atypical'

    "Atypical", série da Netflix sobre o cotidiano de um adolescente com transtorno do espectro autista e de sua família, passou na cruel seleção natural da produção audiovisual moderna com destreza: foi renovada para uma nova temporada apenas um mês após ser levada ao ar, em meados de agosto último.

    A comédia, que traz como protagonista Sam (Keir Gilchrist), tem vários méritos, e não é o menor deles ser, de fato, engraçada. Em tempos de politicamente correto e do contra-ataque das piadas de mau gosto, tem sido fácil errar a mão de um lado ou de outro, resvalando no adocicado ou no grotesco, e deixando para trás o que mais importa quando a proposta é cômica –humor.

    A roteirista e produtora Robia Rashid, cuja experiência pregressa inclui escrever e produzir uma leva de episódios de "How I Met Your Mother" (2005-14), conseguiu dar à obra a mesma leveza e humanidade de seu trabalho mais famoso.

    É difícil que o espectador se envolva com "Atypical" a ponto de querer ver os oito episódios (serão dez no ano ano que vem) em maratona, mas também é provável que ele passe algumas horas felizes diante da TV e pense a respeito.

    É o tipo de narrativa bem talhada que atrai simpatia e nos toca, e que, apesar do tema pouco usual, deixa o desconforto e as meias palavras fora de cena sem contudo edulcorar os momentos de sofrimento do protagonista e de sua família.

    Não é que "Atypical" pretenda mostrar que é fácil conviver com o autismo ou que ele seja um detalhe facilmente esquecido. Na série, em todas as cenas em que Sam está, há um desconcerto quase palpável.

    A candura de um personagem tão literal e direto, porém, desarma os demais –e os espectadores– e, ainda que algumas de suas reações sejam exasperantes, não há como não assistir a suas conquistas e dificuldades com naturalidade. Em muitos momentos, Sam é um adolescente como qualquer outro típico; em outros, é a peça estranha ao jogo, a que traz o elemento aflitivo.

    É um trabalho fantástico de caracterização do pouco conhecido Gilchrist, um ator canadense prestes a fazer 25 anos que passa facilmente por 16 e que livrou Sam de qualquer exagero cênico.

    A seu lado estão Jennifer Jason Leigh e Michael Rapaport, como os pais do adolescente, e Brigette Lundy-Paine, como a irmã sarcástica.

    Jason Leigh, uma das melhores atrizes de sua geração ("Mulher Solteira Procura", de 1992), faz uma mãe que lida com culpas e também as expia, sem ser a abnegada, a supermulher ou a megera. Rapaport, ator correto, é um apoio eficaz à dupla central como um pai frustrado e um companheiro hesitante.

    "Atypical" não é uma série marcante nem parece pretender ser.

    Mas ver o cotidiano da família Gardner na tela, tão humano e real, com dificuldades e alegrias, contribui para a naturalização daqueles que têm um transtorno ainda pouco compreendido, embora muito estudado. E, como indaga um dos personagens a certa altura, quem, afinal, é normal?

    Os oito episódios de "Atypical" estão na Netflix

    luciana coelho

    É editora de 'Mundo' e foi correspondente em Nova York, Genebra e Washington. Escreve às sextas sobre séries de TV.

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