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    Luciana Coelho

    Série 'Alias Grace' tem heroína sob medida para a era Weinstein

    12/11/2017 02h00

    É uma coincidência feliz que duas obras da escritora canadense Margaret Atwood, "The Handmaid's Tale" e "Alias Grace", cheguem às telas em um intervalo mínimo pelas mãos de produtoras diferentes quando soam atualíssimas.

    Depois do justificado sucesso da primeira, levada ao ar pela plataforma de streaming Hulu (indisponível no Brasil) de abril a junho, a segunda chegou neste mês à Netflix bem no momento em que a necessidade de falar de opressão feminina, submissão, exploração, agressão e também em revanchismo e revide explodiu em denúncias e manchetes.

    "Alias Grace" adapta o livro homônimo que Atwood publicou em 1997 (lançado aqui como "Vulgo Grace", primeiro pela Marco Zero e depois pela Rocco) e que custou à atriz Sarah Polley, desta vez produtora e roteirista, mais de 20 anos para levar às telas, uma obsessão.

    Conseguiu fazê-lo em um momento em que sua história, caso verídico, se faz não apenas atual como necessária.

    Grace Marks, uma serviçal de 16 anos julgada e condenada no Canadá de 1859 por matar o patrão e sua amante, passou por toda a sorte de abusos desde que deixou sua Irlanda natal rumo à América: fugiu do pai agressor e da pobreza, encontrou patrões e colegas que a maltrataram de variados jeitos e, ainda assim, manteve seu espírito altivo.

    O que não sabemos, conforme a história é contada, é às custas do que ela o fez. Se é culpada, inocente, vítima, algoz ou, como sugere a cena inicial, tudo ao mesmo tempo.

    A cada detalhe que Grace narra para o médico que a entrevista a fim de determinar seu estado psiquiátrico, Simon Jordan, torcemos para que Grace tenha sua libertação, se não a redenção.

    Parte do sucesso da adaptação se dá pela escrita hábil de Polley, capaz de emular o fluxo fluido da prosódia de Atwood, sobretudo em primeira pessoa (narração em off na série), embrenhando-se pela dubiedade da personagem; parte disso se dá pela impressionante interpretação de Sarah Gadon.

    Sua Grace é etérea, oscila entre a fragilidade e a determinação com destreza hipnotizante, entre a frieza e a carência, e, obviamente, a inocência e a culpa. Quase uma Capitu boreal, impossível de ser julgada.

    Diante dela, as demais personagens femininas relevantes —a amante do patrão, Nancy (Anna Paquin), e a colega Mary (Rebecca Liddiard)— se apequenam até cumprirem seus destinos, inertes.

    Vulgo Grace
    Margaret Atwood
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    Os masculinos —o médico Jordan (Edward Holcroft), o cúmplice McDermott (Kerr Logan), o patrão Thomas Kinnear (Paul Gross) e o apaixonado Jamie (Stephen Joffe)— quase desaparecem.

    Atwood, que fez um longo trabalho de pesquisa para escrever o livro, disse em entrevista a Leda Tenório da Motta para a Folha, na época do lançamento, que a ambiguidade de Grace, que nos permitia vê-la sob diferentes luzes, seria um reflexo óbvio do século 19, uma época em que as mulheres eram "obrigadas a guardar coisas para si, em total segredo".

    Felizmente, não mais.

    Os seis episódios de "Alias Grace" estão disponíveis na Netflix.

    luciana coelho

    É editora de 'Mundo' e foi correspondente em Nova York, Genebra e Washington. Escreve às sextas sobre séries de TV.

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