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    Luciana Coelho

    Com médico no espectro autista, 'The Good Doctor' arrebata audiência

    01/12/2017 02h00

    Há muita coisa errada com "The Good Doctor", a série da rede americana ABC que se firma como hit da temporada nos EUA. Fenômeno curioso mas nada raro, o drama de um jovem médico no espectro autista interpretado por Freddie Highmore (o Charlie da refilmagem da "Fantástica Fábrica de Chocolate" e o Norman Bates da versão serializada de "Psicose", "Bates Motel" ) descola crítica e público.

    Avaliado com média 53 em escala que vai a 100 no Metacrirtic, site que compila resenhas profissionais, recebeu 8,5 do público no IMDb, principal portal de cinema e TV nos EUA.

    A produção que estreou por lá no início de outubro conseguiu, no primeiro mês, 17,4 milhões de espectadores por episódio, segundo o instituto Nielsen."Big Bang Theory", sucesso perene, tem 7,2 milhões; o hit "This Is Us" conta 16,4 milhões.

    Além disso, este drama adocicado tem agradado a todos os nichos demográficos, algo incomum hoje, segundo a Nielsen e o IMDb.

    Isso posto, é difícil, para um crítico avalizar "The Good Doctor". O drama é piegas, inverossímil, tem um roteiro aguado que não passa sem desfilar clichês e uma musica de fundo irritante e apelativa.

    É uma série-de-hospital, talvez o subgênero mais surrado de todos os tempos. O elenco, com exceção do protagonista e de seu padrinho no hospital onde trabalha, entregue ao ator Richard Schiff (o Toby Ziegler de "The West Wing"), é risível na maior parte do tempo.

    Mas então há Highmore e seu personagem, o médico novato Shaun Murphy. E não há como não se deixar hipnotizar pelo carisma do ator, que está, sozinho, tornando uma série que na melhor das hipóteses serviria como segunda tela (para ver quando você está fazendo outra coisa) em algo agradável.

    O roteirista e produtor David Shore, de "House", sabia o que estava fazendo. Aos 25 anos, Highmore é capaz de imprimir a um personagem extraordinário (no sentido de incomum) uma humanidade que chega a comover.

    Shaun, por sua vez, é uma ideia feliz: no espectro autista e com síndrome de Savant, aquela que torna quem a tem genial em alguns campos e inepto em outros, ele tem dificuldade em se comunicar e uma mente cristalina para lidar com problemas complexos de medicina. Sua franqueza e sua habilidade desarmam qualquer interlocutor, inclusive o espectador, não pelo cinismo de seu par mais antigo, Gregory House, e sim pela impossibilidade dele.

    O personagem tem um passado infeliz —família disfuncional, relação próxima e precoce com a morte, preconceito e bullying extremos— que nas mãos de outro ator irritaria, e a música emotiva e os efeitos gráficos à la "Sherlock" para explicar seu raciocínio são como glacê melado em um bolo já cheio de açúcar.

    Contudo, ao apostar no extraordinário e não na naturalização, como a boa "Atypical", cujo protagonista está no mesmo espectro, "The Good Doctor" se aproxima da fábula, evitando o realismo buscado atualmente. Talvez seja esta a resposta, intangível, que os críticos não captemos.

    luciana coelho

    É editora de 'Mundo' e foi correspondente em Nova York, Genebra e Washington. Escreve às sextas sobre séries de TV.

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