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    Lucy Kellaway

    Ser presidente de um banco justifica aceitar um corte de salário?

    LUCY KELLAWAY
    DO "FINANCIAL TIMES"

    20/05/2013 12h00

    "Sou bem pago por fazer o trabalho que caberia ao presidente de um banco, mas é ele que se reúne com os grandes clientes..."

    "Sou um expatriado experiente que trabalha no Golfo Pérsico para um banco que promove cidadãos locais jovens e inexperientes a posições de comando. Eles são emparelhados a profissionais estrangeiros mais velhos e experientes, como eu. Embora eu cuide dos trabalhos importantes, é o presidente-executivo que se encontra com os grandes clientes, decide sobre as bonificações e aparece nas fotos. Embora eu odeie servir de alma ao corpo de meu chefe, o pagamento é bom e isento de impostos. Será que devo aceitar salário menor e me transferir a algum lugar onde possa me tornar presidente de um banco um dia?"
    Banqueiro, 45

    *

    A resposta de Lucy:

    Consigo conceber quatro bons motivos para que você não faça o que propõe.

    Primeiro, sua ideia do que um presidente-executivo de banco faz em, digamos, Londres ou Nova York é bastante distorcida. Você parece pensar que eles só desfilam por aí, desfrutando da glória. Na verdade, boa parte do trabalho de um presidente de banco envolve depor diante de órgãos do governo sempre que a instituição se envolve em enrascada, e ser alvo de desprezo de todo mundo mais exceto os demais banqueiros.

    O posto envolve decidir sobre as bonificações, mas isso, como descobriram os presidentes do Goldman Sachs, RBS e Barclays, nem sempre é prazeroso ou divertido. Também significa posar para fotos –mas elas em geral envolvem acordar de madrugada para preparação. Reuniões com os grandes clientes também acontecem –e você teria de bajulá-los ininterruptamente.

    Segundo, duvido que você tenha a ambição requerida para o posto. Se tivesse, não teria passado tanto tempo longe de casa, em uma posição na qual seu avanço profissional está bloqueado, em lugar de ficar em Londres ou Nova York e entrar no jogo como todo mundo mais. A ideia de que voltar a Londres lhe daria "a possibilidade de me tornar presidente de um banco um dia" é mais ou menos como a esperança de que ficar circulando por perto da Downing Street [rua onde fica a residência oficial e o escritório do primeiro-ministro do Reino Unido] fará de você primeiro-ministro um dia.

    Terceiro, mesmo que você voltasse para casa e começasse a disputar espaço a cotoveladas, duvido que conseguisse chegar ao topo. Bancos raramente escolhem para seus principais postos executivos financeiros que irrompem no cenário aos 45 anos depois de passar a vida toda trabalhando em mercados menores. Mesmo que seus talentos fossem excepcionais, duvido que isso viesse a acontecer.

    E por fim, se o que o entusiasma é pagar o menos possível de imposto, seria ótima ideia que não saísse de onde está. Os executivos dos bancos britânicos vêm sendo impedidos, pela força da desaprovação pública, de adiar pagamentos de bonificações de modo a que a alíquota de imposto que incidirá sobre elas seja de 45% em lugar dos atuais 50%.

    Sugiro que você considere a fundo se gosta ou não da vida rica que leva no Golfo Pérsico. Se gosta, deixe de invejar seu jovem chefe. Compreenda que vocês dois são necessários à gestão do banco. Embolse seu grande salário livre de impostos e seja feliz. Já se essa vida não o agrada, volte para casa depois de ter guardado dinheiro suficiente. Ou mude-se para algum outro lugar. Ou deixe o mercado bancário e vá fazer alguma outra coisa à qual possa se dedicar de corpo e alma.

    Tradução de Paulo Migliacci

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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