• Colunistas

    Friday, 17-May-2024 04:04:09 -03
    Lucy Kellaway

    Ruim é o novo bom... só que não

    LUCY KELLAWAY
    DO "FINANCIAL TIMES"

    27/05/2013 08h15

    Existe uma nova moda nos círculos da gestão. Ela ainda não tem nome, e por isso decidi chamá-la de "branco é o novo preto", porque envolve tomar alguma coisa que todos consideramos ruim e nos dizer que ela agora é boa (ou vice-versa).

    Todo mundo adora essa moda recente. É refrescante. Contraria a intuição. Liberta. E por isso, é bacana. No LinkedIn e no site da "Harvard Business Review", os leitores mal conseguem apertar o botão "curtir" com a rapidez que desejariam.

    Só na semana passada, esbarrei em quatro exemplos dela. O primeiro e mais popular caso de branco é o novo preto afirma que fracassar não é ruim: é bom. Os proponentes dessa teoria, que surgiu alguns anos atrás, vêm alegando desde então que os erros são vitais porque você aprende com eles.

    E a afirmação procede. O que não procede é dizer que, porque encontrar sucesso sem primeiro fracassar é difícil, fracassar deveria ser um objetivo.

    Um post recente no blog da "Harvard Business Review" argumenta que o fracasso é tão fantástico que as organizações deveriam organizar "festivais do fracasso" regularmente, durante os quais os funcionários usariam um boá de plumas rosadas para celebrar suas mancadas.

    Isso não só é tolo e condescendente como também perigoso. É verdade que o medo do fracasso pode ser paralisante, mas em minha experiência também pode servir para galvanizar as energias. Estou trabalhando em uma série de rádio e a perspectiva apavorante e muito real de que eu não consiga levar o projeto adiante me ajuda muito a concentrar os meus esforços.

    Se eu imaginasse que a BBC organizará uma festa em minha homenagem e me dará um boá de plumas rosadas caso eu erre, que estímulo eu teria para me esforçar?

    FRACASSO É RUIM

    O fracasso é ruim, e não deveria ser celebrado. Tampouco deveria ser punido, a menos que sua causa seja o ócio e o descaso. Caso seja esse o motivo do erro, vejo um uso melhor para o boá de plumas rosadas: o funcionário que errou deveria ser obrigado a comê-lo.

    Isso nos conduz naturalmente à segunda teoria de branco é o novo preto, segundo a qual a preguiça pode ser um traço favorável em um patrão. A ideia é alardeada em "The 80/20 Manager", de Richard Koch, livro publicado na semana passada. Koch escreve que "os gestores preguiçosos obtêm resultados excepcionais. Apenas ao economizar sua energia e atenção você será capaz de fazer com que seus esforços contem no momento necessário".

    Ele segue dizendo que o ócio é um dom tamanho que os gestores desprovidos dele naturalmente devem trabalhar para adquiri-lo.

    Koch está certo ao apontar que a maioria de nosso trabalho representa desperdício de esforço. Mas o problema é que temos de cuidar dessas porções desperdiçadas a fim de chegar aos aspectos mais importantes. Na vida real, há poucos patrões preguiçosos, porque se você for um sujeito folgado a probabilidade é de que não seja promovido.

    A terceira ideia é outra tendência nova que está sendo promovida em um artigo do consultor Jordan Cohen, no site da HBR. Ele argumenta que dizer aos trabalhadores o que fazer –outro dos princípios fundamentais da vida organizacional– é uma má ideia, e que não deveríamos fazê-lo. Ele "prova" a alegação com uma história engraçadinha, e depois recorre à neurociência; quando as pessoas são instruídas sobre o que fazer, diz, "o centro de resposta emocional do cérebro pode na realidade causar um decréscimo nas funções cognitivas".

    Sempre suspeito quando um autor que não é neurocientista emprega a ciência como forma de me forçar a acatar suas ideias. Tudo que eles costumam dizer é que "eis alguma coisa que eu não entendo e nem você, mas estou ordenando que aceite o que digo porque foi o que um neurocientista me disse".

    Obrigado, mas prefiro aderir ao que observei ser procedente depois de décadas de observação: a maioria dos funcionários precisa de instrução, ainda que não precisem de interferência excessiva. Também não consigo deixar de pensar que se Cohen um dia estiver internado para uma cirurgia em um dos "centros de resposta" de seu cérebro, ele talvez não aprove que a equipe do hospital seja instruída a fuçar seu cérebro do modo que preferir.

    O exemplo final vem de um artigo que o LinkedIn está promovendo, intitulado "Como reter talentos? Ensine-os a partir, diz a KBS+". O texto conta como a KBS+, uma agência de publicidade de Nova York, está ensinando seu pessoal a abrir negócios próprios e –imagine só!– há quem esteja aproveitando a oportunidade para fazer exatamente isso.

    Mas não importa: a KBS+ insiste em que essa é uma ótima maneira de manter a motivação de seu pessoal. Para mim, parece uma forma absurda de reter pessoal. Tornar seus cargos mais interessantes e dizer "obrigado" de vez em quando talvez funcione melhor –e sairá mais barato.

    Assim, o branco não é o novo preto. Preto é preto, branco é branco, e qualquer companhia que use um símbolo matemático como parte do nome está sinalizando ao mundo que abandonou a lógica há muito tempo.

    Tradução de Paulo Migliacci

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024