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    Lucy Kellaway - Thiago Augusto de Araujo Santos

    Fofoca de elevador raramente é mais que banal

    LUCY KELLAWAY
    DO "FINANCIAL TIMES"

    17/06/2013 12h00

    Compreendo que 426.127 pessoas chegaram antes de mim, mas comecei a seguir a conta GS Elevator no Twitter. As coisas ditas nos elevadores do Goldman Sachs não ficam nos elevadores do Goldman Sachs; o Twitter permite que todos nos divirtamos com elas. Assim, na última semana ou duas, executivos do banco teriam sido ouvidos supostamente dizendo que "se existisse mesmo essa história de teto de vidro, deixaríamos as mulheres trabalhar no andar de cima", e "eu até concordaria com você, mas nesse caso estaríamos os dois errados pra caramba".

    O principal problema com esses tweets é que acreditar neles é difícil. É perfeitamente plausível imaginar que executivos do Goldman Sachs digam coisas odiosas como essas, mas não é plausível que o façam no elevador.

    Para provar o ponto, acabo de criar uma conta rival no Twitter chamada GO Elevator Gossip, ou "fofoca de elevador de um escritório real" [genuine office]. Recolher exemplos é uma tarefa absurdamente lenta, porque o que as pessoas dizem em elevadores no geral costuma ser... nada. Meus primeiros tweets na conta nova foram: "por favor aperte o térreo para mim" e "nossa, que frio lá fora". Consegui zero seguidores até agora, o que não me surpreende, dada a qualidade medíocre do material.

    O trabalhador de escritório médio deve tomar um elevador 50 mil vezes durante sua vida profissional, mas jamais aprende a relaxar nele. Desconhecidos não se falam. As conversas entre pessoas que se conhecem são forçadas.

    No Goldman Sachs, a conversa de elevador supostamente rola assim: "Você esqueceu de colocar o cinto hoje?" E a resposta: "Não preciso de cinto. Você esqueceu de encomendar um terno sob medida?" Mas, de acordo com a minha pesquisa, o que as pessoas dizem de fato é "e aí, fim de semana bom?" "Sim, tranquilo, e o seu?" "É, nada mau".

    REGRA INFORMAL

    Essa reticência não pode ser explicada pelo medo de que alguém ouça a conversa, porque em escritórios é comum que conversas sejam ouvidas. É mais como se as portas do elevador sufocassem nossa vida, ao fechar.

    Outro dia recebi visitantes e estávamos conversando amistosamente até que as portas do elevador fechassem. Então, para romper o silêncio, me apanhei fazendo uma pergunta de sublime chatice: "O escritório de vocês ainda fica em Holborn?" A resposta, igualmente enfadonha, foi "sim. É bem conveniente lá".

    Nas raras ocasiões em que alguém viola essa regra informal e diz algo digno de menção em um elevador, todo mundo mais precisa fingir que não ouviu. Assim, quando ouvi uma jovem contar à amiga que tinha bebido demais e caído escada abaixo, os demais passageiros todos ficamos olhando para o chão.

    A outra regra dourada é que assim que você entra, precisa fazer uma manobra de 180° para ficar de frente para a porta (ou, se não houver como, se colar a uma das paredes laterais.) Não há jeito mais fácil de irritar os colegas do que ficar de pé no elevador olhando na direção do fundo da cabine. Um vídeo do programa "Candid Camera" nos anos 60, disponível no YouTube, mostra um homem inocente que está em um elevador no qual entram três atores contratados pelo programa e que não se voltam para a porta. Sentindo imenso desconforto, o quarto passageiro termina ele também se virando para o fundo da cabine.

    ETIQUETA

    Além disso, a etiqueta de elevador é bastante complicada. De acordo com o site elevatorrules.com, que trata exclusivamente do assunto, é falta de educação apertar de novo o botão de chamada do elevador se alguém já está esperando. Fazê-lo é prova de que você não entende como um elevador funciona ou que acha que a outra pessoa é burra a ponto de não ter apertado o botão. Também é rude tomar o elevador se você só vai subir ou descer um andar. Se você estiver doente, espere um elevador vazio para subir e limpe com um lenço o botão premido pelo seu dedo repleto de germes.

    Não só as regras são muitas e complicadas como algumas delas são bastante controversas. Se você está no elevador e alguém corre para apanhá-lo, melhor correr para segurar a porta pessoalmente ou pedir que a pessoa mais próxima dela o faça? O site aconselha que você só segure a porta se estiver sozinho ou se os demais passageiros aceitarem esperar. O caloroso debate sobre o tema nos comentários mostra que o argumento não é bem aceito; o lobby dos seguradores de porta afirma que a pessoa que está correndo deveria ter precedência.

    Há ainda outras questões referentes a elevadores quanto às quais as pessoas discordam com veemência. Depois de entrar, é melhor apertar o botão ou pedir que a pessoa mais próxima dele o aperte? Se você entrar no elevador com um superior hierárquico, deve permitir que a pessoa cuide dos botões ou mostrar iniciativa e fazê-lo?

    E como se tudo isso não fosse difícil o bastante, a etiqueta varia em diferentes países. Na França, os trabalhadores que entram em um elevador lotado de desconhecidos dizem "bon jour" ao embarcar e "bonne journée" ao descer. Se entrarem no elevador mais tarde no dia, precisam lembrar das pessoas a quem já cumprimentaram e dizer "rebonjour" a elas.

    O mais difícil é fazer política de escritório no elevador. Estar aprisionado em uma pequena caixa metálica com um superior, especialmente se há testemunhas da possível bajulação, pode ser traumático. Meu conselho é que qualquer pessoa que corra o risco de se ver no elevador ao lado do patrão deveria subir de escada.

    Tradução de Paulo Migliacci

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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