• Colunistas

    Tuesday, 21-May-2024 09:57:01 -03
    Lucy Kellaway

    Opinião: Criada nos EUA, festa para limpar caixa de e-mails é ideia desanimadora

    LUCY KELLAWAY
    DO "FINANCIAL TIMES"

    01/07/2013 12h00

    O pessoal bacana da Califórnia criou uma nova espécie de festa. A ideia é que você convide seus amigos e colegas para uma visita, abra uma garrafa de vinho, coloque uma playlist de música dançante e depois se acomode com o laptop no colo para limpar sua caixa de e-mails.

    O conceito da "festa inbox zero" foi criado por Randi Zuckerberg (a irmã de Mark Zuckerberg, fundador do Facebook), e talvez seja a ideia mais desanimadora que alguém já inventou para uma ocasião social. Até mesmo uma "festa de tupperware", em que cada um leva uma coisa para comer ou beber, começa a parecer um deslumbrante salão intelectual, em comparação.

    Randi Zuckerberg diz que e-mails não respondidos pesam em sua alma. Nesse caso, a resposta não é uma festa, e sim dizer à alma que tome vergonha.

    Nas minhas duas caixas de entrada, há 2.347 mensagens não lidas, e minha alma vai muito bem. Olho os e-mails quando chegam, e dependendo de quem os tenha enviado e do que diz a linha de referência, leio na hora. Os demais, tendo a não ler.

    Zuckerberg sugere que, para entrar no clima da festa, seus convidados começam com "reclamações por estarmos quase nos afogando em e-mails". O problema quanto a isso é que reclamar de e-mails é ainda mais chato que reclamar do clima.

    Todo mundo o faz –até mesmo as pessoas responsáveis por inventar o e-mail. Dave Coplin, da Microsoft britânica, acaba de escrever um livro sobre os problemas que as empresas enfrentam, e um dos maiores deles é o e-mail. Somos todos escravos do e-mail, ele lamenta.

    ORGANIZAÇÃO

    Na semana passada, fui à palestra de uma mulher que ensina a lidar melhor com o e-mail. Escutando, percebi que deveríamos todos deixar de reclamar sobre os problemas que o e-mail causa. O gênio peculiar do e-mail é permitir que eu finja ser superorganizada sem levantar um dedo.

    Não tenho pastas, nenhum sistema de organização. E isso acontece porque não preciso de nada disso. A função de busca é tão conveniente que tudo que alguém já me tenha enviado pode ser localizado onde quer que tenha ido parar na nuvem, e recuperado em um instante.

    Também aprendi a filtrar mensagens, e na última semana me diverti instalando um sistema draconiano de bloqueio. Todo o pessoal de relações públicas, todos os "stalkers", quase todos os e-mails coletivos e até mesmo alguns colegas perderam acesso à minha caixa de mensagens.

    Todas as mensagens que avisam que a pessoa está ausente e todas as mensagens do LinkedIn são bloqueadas, para que eu nunca mais precise ler coisas como "XX adicionou uma nova capacitação". Bloqueio até o e-mail diário do refeitório do "Financial Times" que me informa o que está no cardápio do dia.

    Entre 15 e 50 mensagens passam por esses filtros a cada dia, agora. Respondo a elas quando tenho vontade –o que pode ser imediatamente e pode ser nunca.

    As únicas mensagens que tento responder de imediato são sobre coisas para as quais a resposta é não. São os e-mails que pesam em minha alma, e assim para causar o mínimo dano aprendi a dizer "não, obrigada" o mais rápido possível.

    BOTES SALVA-VIDAS

    Compreendo que há algo de deselegante em admitir que não vivo afogada em e-mails. Equivale praticamente a dizer quer não sou muito importante ou muito popular. Pessoas populares e importantes têm problemas mais graves do que eu, e por isso decidiram criar o equivalente a botes salva-vidas de e-mail para que possam ficar a salvo. E quando o fazem, adoram nos contar a respeito.

    Tony Hsieh, presidente-executivo da Zappos, deu ao seu bote o nome de "Yesterbox", porque ele a cada dia enfrenta as mensagens acumuladas do dia anterior. Em post recente em seu blog ele explica que a beleza de seus sistema é que a tarefa é sempre finita –e ele sente uma sensação de vitória ao conclui-la.

    Quando li sobre seu sistema, pensei que parecia vagamente familiar. E depois percebi que eu também costumava esperar um dia para responder. Todos esperávamos. O nome disso era correio.

    Julia Hobsbawn, a primeira professora de networking do planeta (cátedra que ela detém na Cass Business School) criou um bote salva-vidas semelhante. Essa formidável comunicadora instruiu seu computador a enviar a todos que a contatam uma resposta que diz "estou retardando minhas respostas deliberadamente (lentidão é a nova rapidez), mas se isso o incomoda, pode me ligar ou enviar mensagem de texto no número XXX. De outra forma, tentarei responder em 24 horas".

    Parece bem esperto. O e-mail é uma ferramenta intrinsecamente democrática, e por isso é preciso muito esforço para fazer dele um instrumento de competição e poder. A resposta automática me comunica elegantemente que o tempo de Hobsbawn é mais importante que o meu e que ela não tem pudores quanto a congestionar minha caixa de entrada.

    Felizmente, já estou um passo adiante: agora sou tão boa em bloquear meus e-mails que acrescentei um novo filtro que rejeita qualquer coisa com as palavras "resposta automática". E, só por garantia, acrescentei um filtro para "lentidão é a nova rapidez". Porque não é.

    Tradução de Paulo Migliacci

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024