• Colunistas

    Friday, 17-May-2024 08:26:35 -03
    Lucy Kellaway

    Opinião: O que o LinkedIn deveria aprender com as bandeirantes

    LUCY KELLAWAY
    DO "FINANCIAL TIMES"

    26/08/2013 11h30

    Na semana passada, visitei meu moribundo perfil no LinkedIn e encontrei no topo da página uma mensagem que dizia "seus contatos Dominic, Louise e Clive confirmaram seus novos conhecimentos e competências".

    Os três me consideram muito talentosa, o que é sempre agradável descobrir. Testemunharam de diferentes maneiras sobre sete competências que tenho: jornal, revista, jornalismo, edição de textos, jornalismo de negócios, editoração e jornais.

    Isso seria lisonjeiro não fossem duas coisas: a primeira é que nunca ouvi falar de qualquer dessas pessoas, muito menos trabalhei com elas. A segunda é que metade das coisas que elas citam não são competências. Jornais –no singular ou plural– certamente não são uma competência; são um produto moribundo. Edição de textos é uma competência, mas infelizmente não posso afirmar que a tenha.

    De todas as coisas que não entendo no LinkedIn, essa mania de "testemunhar" sobre as "competências" alheias é a mais incompreensível.

    Não se trata apenas de Dominic, Louise e Clive que estão apertando indiscriminadamente o botão de testemunho. Desde que o recurso foi introduzido, em setembro, temos uma orgia de depoimentos em curso. Até dezembro 550 milhões de testemunhos já haviam sido feitos, e pelo final de julho o número havia atingido os dois bilhões. A cada semana, 50 milhões deles são oferecidos.

    Em teoria, seria muito útil ter uma maneira de classificar os colegas de acordo com suas competências. Permitiria verificar rapidamente até que ponto as pessoas são boas em certas coisas –o que permitiria identificar melhor a pessoa certa para o trabalho certo.

    Na prática, não é nada disso: é um recurso idiota, irritante e sem qualquer propósito –afora provar sem sombra de dúvida que os milhões de pessoas que prestam testemunhos no LinkedIn têm duas competências: puxa-saquismo e perda de tempo.

    Mas o sistema vem sendo encarado com preocupante seriedade. De acordo com o LinkedIn, um perfil tem quatro vezes mais chance de ser visitado se nele houver testemunhos quanto à competência da pessoa.

    Existem diversas coisas obviamente erradas quanto a isso. Para começar, metade das pessoas que oferecem testemunhos não fazem ideia de se você tem ou não as competências informadas. Ou o testemunho vem de sua sogra. Ou a pessoa oferece um testemunho apenas porque espera que você retribua.

    O próximo problema é que só existe espaço para testemunhos positivos, e forma alguma de fazer o contrário. O LinkedIn não oferece um botão de "denúncia". Você pode remover um testemunho que tenha feito, mas nada mais. Um conhecido me contou que um colega havia sido demitido recentemente por indolência e incompetência completas. Mas seu perfil mostrava uma sucessão de testemunhos de amigos e de associados, e nenhuma forma de contrariá-los.

    Pior, a sequência de cansativas notificações de que tal e tal pessoa "adicionou uma nova competências" não é compensada na ponta oposta por notificações de competências perdidas. Eu deveria poder dizer aos meus contatos que minha competência em matemática mental se atrofiou lastimavelmente, e que meu francês, antes funcional, quase desapareceu. O LinkedIn parece não ter interesse por essas coisas.

    E há as competências em si. Não são apenas Dominic, Louise e Clive que se provam incompetentes para compreender o que quer dizer competência. Vejo que 66 pessoas testemunharam no perfil de Jeff Weiner, presidente-executivo da companhia, quanto à sua competência "LinkedIn". O que não faz sentido algum.

    Há uma dificuldade adicional: mesmo no caso de competências legítimas, como "liderança de equipes", não fica claro o que significa tê-las. O LinkedIn podia aprender alguma coisa com as bandeirantes, que pelos últimos cem anos operam um excelente sistema sob o qual a integrante só recebe um distintivo quando provar que domina uma competência.

    Por exemplo, liderança de equipes –o que hoje em dia oferece um distintivo nas bandeirantes, em companhia de cozinhar e primeiros socorros– envolve seguir um rigoroso processo de sete etapas teóricas e práticas. Não há espaço para exageros ou para puxa-saquismo.

    Em contraste, no LinkedIn as duas coisas são muito frequentes. Duas das competências que atraem mais testemunhos são "planejador estratégico" e "discurso público" –competências que na vida real quase ninguém tem. Em toda a minha vida, conheci só meia dúzia de executivos que eram bons em qualquer uma delas; dizer às pessoas que alguém as têm quando isso não procede é não só desonesto como perigoso. Pode conduzir a decisões estratégicas insensatas e encorajar discursos tediosos.

    Mas o maior fracasso do sistema de endosso é que ele só funciona para as pessoas comuns. Barack Obama, Sir Richard Branson, Arianna Huffington e Angela Ahrendts desativaram esse recurso em seus perfis do LinkedIn. Eles são tão grandes que nem precisam de competências.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024