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    Lucy Kellaway

    Opinião: Uma cura para a dor das comparações cibernéticas

    LUCY KELLAWAY
    DO "FINANCIAL TIMES"

    02/09/2013 14h37

    Na semana passada, fui visitada na redação por uma leitora da Malásia que passou por Londres. Nem sempre sou simpática com desconhecidos, mas estava curiosa quanto à visitante. Há três anos trocamos e-mails sobre minhas colunas - e ela ainda não chegou aos 12 anos.

    Quando essa menina - que se provou encantadora e muito bem comportada - partiu, comecei a pensar sobre os meus filhos (muito mais velhos que ela). Os modos e a curiosidade deles quanto ao mundo pareciam deficientes - bem como seu apetite por ler o "Financial Times" (escrito não só na língua materna deles como em parte por sua mãe).

    Para evitar uma lamúria sem sentido quanto ao-que-fiz-de-errado, decidi procurar distração no Twitter, onde uma pessoa que sigo mas de quem não gosto muito estava alardeando triunfantemente a publicação de um novo livro. Expandi a mensagem e encontrei uma dúzia de respostas do tipo "mal posso esperar para ler" e "se for bom como o anterior", e depois disso me dirigi carrancuda ao site da Amazon para descobrir em que posição o livro estava no ranking de vendas. Minha irritação desapareceu quando descobri que estava em 24.358° lugar.

    Depois bisbilhotei o site do "Financial Times" para verificar o desempenho do meu artigo. A posição do texto na lista dos "mais lidos" estava caindo, e por isso verifiquei o número de comentários recebidos. Sem perceber, eu havia escapado das comparações invejosas no mundo real para o mundo ainda mais invejoso das comparações cibernéticas.

    Comparações são parte da natureza humana, mas - como todos sabemos - elas raramente terminam bem: sempre existe alguma pessoa irritante se saindo muito melhor do que você.

    No entanto, existe uma diferença entre a comparação ao estilo tradicional e a comparação cibernética. A primeira permite recuperação relativamente fácil, porque acontece de modo pouco frequente. Contatos como o que tive com aquela adorável menina da Malásia não acontecem todos os dias, e a ansiedade que me causou foi apenas passageira. Bastaram dois minutos para que eu me recuperasse. Comparações cibernéticas são um gotejar constante de veneno diretamente para a corrente sanguínea. Elas jamais param, e assim você nunca tem tempo de se recuperar.

    No mês passado, os cientistas confirmaram o que todo pai descobriu há muito tempo: o Facebook causa infelicidade. Contemplar as vidas bacanas e bonitas dos outros só causa miséria.
    Mesmo sem contar com um cientista como apoio, posso dizer que o mesmo se aplica ao Twitter, LinkedIn, Klout e todos os rankings online. Comparar é desesperar, para todos nós.

    Não são apenas os adolescentes e os jornalistas inseguros que se torturam desse jeito. Recentemente me encontrei com uma das pessoas mais merecedoras que conheço, alguém que dedicou a vida a resolver alguns dos mais prementes problemas da nação. E o vi contemplando seu iPhone e se vangloriando: 106 pessoas reproduziram meu tweet! E depois ele me garantiu que uma mensagem semelhante de outra figura conhecida só havia sido repetida por 12 usuários do Twitter.

    No começo me pareceu notável que um sujeito de mente tão altiva tivesse se rebaixado a uma prática tão rasteira. Mas agora acho que isso não é surpresa de modo algum. A maioria de nós, trabalhadores do conhecimento, somos feixes de egoísmo e insegurança, famintos por descobrir como estamos nos saindo. Uma década atrás não havia muitas maneiras de descobrir; agora todos carregamos nos bolsos uma ferramenta que permite comparações constantes. Como evitar o vício? Comparações cibernéticas são uma injeção instantânea de adrenalina, uma sensação de prazer e dor renovada minuto a minuto.

    O ato de comparar ganhou tanta importância que agora ameaça atropelar o ato de criar. No passado, os autores tinham de esperar para verificar o balanço de royalties para saber como seu livro estava se saindo. Depois veio a Amazon oferecendo sua miséria, via ranking de vendas em tempo real. Agora, o Twitter oferece algo ainda mais assustador: não estamos mais comparando coisas que demoramos anos a escrever, mas coisas que rabiscamos em segundos.

    Como abandonar o vício? Os especialistas dizem que a primeira parada é abandonar a comparação com o desempenho alheio e que nos comparemos apenas a nós mesmos. Mais fácil dizer do que fazer - e de qualquer forma, essa não é a resposta. Na era da Internet, até mesmo comparar-se a si mesmo pode causar inveja. Se o sujeito importante que se vangloriava de seus 106 tweets descobrisse só ter 104 no dia seguinte, certamente se sentiria infeliz.

    Os especialistas nos instam, em lugar disso, a que nos concentremos no crescimento interior. Mas a resposta tampouco funciona, porque ao que parece até isso se tornou fonte de comparação online.

    Acabei de enviar e-mail à minha amiga de 11 anos de idade para avisá-la de que falaria dela na coluna. Contei que estava escrevendo sobre como o Facebook e outras redes sociais fazem com que nos sintamos mal.

    Ela respondeu dizendo que os pais não permitem que ela use o Facebook.

    Eis: uma explicação parcial para o fato de que ela encontra tempo para ler o "Financial Times", e uma solução parcial para o problema da comparação cibernética.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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