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    Lucy Kellaway

    Opinião: Melhor um presidente chapado do que um abestalhado

    LUCY KELLAWAY
    DO "FINANCIAL TIMES"

    25/11/2013 18h43

    Quem seria o pior presidente para o conselho de uma empresa: um sujeito que vive coçando a cabeça ou um sujeito que vive fazendo a cabeça?

    Estou ponderando essa comparação entre chapado e abestalhado desde que o ex-presidente do conselho do Co-op Bank foi: a. filmado aparentemente pagando £ 300 por cocaína e cristais de metanfetamina e b. respondeu a um comitê seleto do Tesouro que os ativos de seu banco eram de £ 3 bilhões, quando na realidade são de £ 47 bilhões.

    Não estou dizendo que Paul Flowers seja ou chapado ou abestalhado, já que não o conheço e não posso julgar. Minha questão, em lugar disso, é mais ampla: se você fosse acionista de qualquer companhia, qual dos dois tipos seria mais chocante encontrar em posição de poder dentro dela?

    Seria lícito argumentar que uma pessoa pode ao mesmo tempo ser viciada em cocaína e burra, ainda que determinar qual é a causa e qual é o efeito, nesse caso, talvez fosse difícil. Se você usa drogas, isso talvez obscureça bastante seu domínio dos fatos. (Ainda que a cocaína tenda a despertar imenso otimismo, e por isso seu uso tornaria mais provável superestimar os ativos da empresa em 10 vezes do que o contrário.) Por outro lado, se o seu domínio dos fatos já era nebuloso para começar, isso poderia levá-lo a usar cocaína como forma de lidar com sua baixa autoestima e o dilacerante terror de ser flagrado em seu despreparo.

    No entanto, se você considerar os dois tipos como distintos, a resposta mais óbvia é que um presidente chapado seria mais letal. Para começar, cocaína é ilegal –e ter um dirigente preso, como aconteceu com Flowers na semana passada, jamais ajuda a reputação de uma empresa. Mais que isso, o vício em cocaína pode tornar uma pessoa irritável e imprevisível, distorcer seu julgamento, causar psicose paranoica - além do estrago causado no revestimento interno do nariz.

    Nada disso é desejável. Mas ainda assim é melhor do que ter a empresa dirigida por um idiota. Qualquer pessoa que ignore os fatos básicos sobre um negócio só pode causar estragos a uma companhia.

    É verdade que ignorância na escala exibida por Flowers é excepcional (a estrutura do Co-op Bank é tão idiossincrática que a instituição considera como virtude ter em seu conselho pessoas que nada entendem de bancos). Mas meu forte palpite é que existe muita ignorância nos conselhos de grandes empresas, talvez nem tão flagrante quanto no caso do Co-op Bank mas ainda assim preocupante.

    Quando penso sobre alguns integrantes de conselho que conheci, muitos exibiam imensas e vergonhosas lacunas em seus conhecimentos. Essas lacunas surgem ou porque seus mercados mudaram de maneiras que eles não acompanharam ou porque essas pessoas saltam de setor em setor, e depois de passarem algum tempo em uma área nova se torna vergonhoso pedir que alguém explique como exatamente a companhia ganha dinheiro. E devemos acrescentar a isso o fato de que as companhias vêm se tornando cada vez mais complicadas - e se manter em dia com o mercado é cada vez mais difícil.

    Se a ignorância é tão comum, como é que quase nunca ouvimos falar dela? Políticos ocasionalmente permitem que seu idiota interior transpareça - Sarah Palin foi apanhada confundindo Irã e Iraque -, mas as pessoas que sobem ao topo do mundo dos negócios são preocupantemente boas em manter oculta a sua burrice.

    Isso acontece por três razões. Primeira, eles delegam. Se você não sabe o montante de seus ativos, pouco importa: basta mandar que o diretor financeiro responda.

    A segunda é que elas sempre podem recorrer ao jargão e enrolar. "Trata-se de uma questão que no momento não está em meu horizonte e mais adiante reverterei a ela quando houver alguma claridade a seu respeito" parece muito mais impressionante do que "nem faço ideia".

    A terceira coisa é que se você tiver um posto realmente alto, ninguém expõe seus blefes. E se um jornalista enfadonho fizer uma pergunta complicada, é simples: basta responder outra coisa.

    De fato, os membros de conselho de grandes empresas só enfrentam apertos caso convocados a depor diante das autoridades regulatórias ou de comitês de investigação, situações em que não poderão transferir as perguntas difíceis ao diretor de finanças, ou blefar. Mas mesmo nesses casos, eles têm tempo para preparação. Quando fui convocada a depor diante da Autoridade de Serviços Financeiros (uma ocorrência normal para qualquer integrante de conselho), passei diversas semanas revisando furiosamente os fatos.

    O necessário seria um novo sistema de testes difíceis e aleatórios de conhecimento para todos os membros de conselho, da mesma forma que os esportistas passam por exames antidoping. Os conselheiros deveriam ser abordados de surpresa e forçados a responder questões básicas sobre sua companhia, seu desempenho, os riscos que ela enfrenta e o mercado em geral. Isso exporia os mais perigosos idiotas e manteria todos os demais integrantes de conselhos sempre concentrados.

    Da mesma forma que Andy Murray recentemente quase perdeu a hora para a cerimônia em que receberia uma comenda no palácio de Buckingham porque uma equipe antidoping foi à sua casa de surpresa para recolher uma amostra de urina, os integrantes de conselhos deveriam estar sujeitos a inspeções sem aviso, e sem direito a desculpas: nada de encaminhar as perguntas a outros, nada de enrolar. Quem não souber as respostas está fora.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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