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    Lucy Kellaway

    Opinião: O tempo perdido no secador faz do cabelo uma questão feminista

    LUCY KELLAWAY
    DO "FINANCIAL TIMES"

    16/12/2013 12h12

    Na semana passada, descobri que sou feminista, afinal. Até então, eu acreditava que as mulheres que ocupam cargos executivos ou praticam profissões liberais são um grupo privilegiado, que devia deixar de reclamar. Mas agora reconsiderei as coisas, pelo menos ligeiramente. O que provocou essa mudança não foram provas científicas e tampouco experiências pessoais, mas algo de inteiramente raso: um comercial de 62 segundos do xampu Pantene.

    O novo comercial tem por cenário um escritório moderno no qual vemos homens e mulheres fazendo as mesmas coisas, mas com rótulos diferentes identificando cada pessoa. O homem é o "chefe", a mulher é "mandona". O homem que trabalha até tarde é "dedicado"; a mulher que faz o mesmo é "egoísta".

    Na descrição escrita, a ideia parece tosca. Mas ao ver o comercial –o que você deveria fazer, caso ainda não tenha assistido– você termina cantando "Mad World" junto com a trilha sonora, e pensando que, sim, continuam a existir dois pesos e duas medidas. E, sim, isso continua a importar.

    O comercial foi produzido para as Filipinas, e poderia ter sido veiculado só lá caso não tivesse atraído a atenção de Sheryl Sandberg, vice-presidente de operações do Facebook, que declarou que ele constituía um exemplo perfeito de "faça acontecer". Agora, o filme ganhou circulação viral, e não me canso de assisti-lo, e de forçar meus colegas homens a fazer o mesmo. Mas ao vê-lo pela quinta vez, comecei a deixar de gostar tanto do comercial. É feminista –o que é bom–, mas também é "cabelista", o que não é tão bom. Todas as mulheres que aparecem no comercial têm lindos e longos cabelos que elas jogam para lá e para cá –e isso constitui discriminação contra nós, as mulheres trabalhadoras que não temos longas madeixas para sacudir de um lado para outro.

    Seria possível argumentar que, já que o comercial promove xampu, não daria certo mostrar pessoas com raízes de cor diferente aparecendo, ou com franjas espetadas. Mas depois pensei: se a Dove usou mulheres um pouco mais velhas e um pouco mais corpulentas em sua campanha "Real Beauty", por que a Pantene não poderia ter usado mulheres com cabelos reais, ou seja, problemáticos, em seu filme?

    E foi então que pensei nas mulheres de negócios mais bem sucedidas do planeta. Nenhuma delas tem cabelos problemáticos, ou, se um dia os tiveram, encontraram solução para o problema. Um exemplo é a mais recente superestrela entre as mulheres executivas: Mary Barra, 51, engenheira de Detroit que na semana passada foi anunciada como a primeira mulher a assumir a presidência executiva de uma montadora de automóveis. Nas fotos, o cabelo de Barra é longo, lustroso, em um corte elegante na altura dos ombros. Todo mundo comentou sobre a inteligência da nova líder da General Motors, e admirou sua deliciosa franqueza ao declarar que "chega de carros horrorosos". Mas até agora ninguém elogiou seu cabelo.

    Isso talvez se deva ao fato de que, no seu grupo, ter cabelo lindo não é tão incomum. Uma auditoria capilar entre as principais executivas dos Estados Unidos apresenta os seguintes resultados: Sheryl Sandberg, cabelo lindo. Angela Ahrendts, cachos com luzes, sensacionais, em um penteado elegante. Marissa Meyer: perfeitas madeixas loiras. Só Indra Nooyi e Irene Rosenfeld optaram por cortes curtos e práticos, e mesmo elas têm penteados perfeitos.

    As madeixas reluzentes de Barra podem ter escapado a comentários porque as pessoas imaginam que mencioná-las seria sexismo. Mas o cabelo é uma questão feminista e deveria ser comentado como uma importante desigualdade entre homens e mulheres. O tempo de que uma mulher precisa no secador a cada dia é um desperdício de minutos preciosos e a coloca em desvantagem com relação aos seus colegas homens, muitos dos quais nem tem cabelo. Dan Akerson, o predecessor de Barra, tem uma calva muito conveniente, cuja secagem deve requerer apenas um segundo e uma toalha.

    Tempo é dinheiro. O salário de Akerson era de US$ 11 milhões ao ano, ou US$ 2,5 mil por hora (presumindo que ele trabalhe 300 dias por ano e 14 horas por dia). Assim, a oportunidade de cortar a meia hora no secador que cabelos longos requerem equivale a US$ 1,25 mil ao dia, ou US$ 250 mil ao ano, presumindo que a pessoa precise de 200 sessões de secador. E isso não inclui os preços salgadíssimos dos cabeleireiros.

    Mas os acionistas não precisam temer: o cabelo bonito vale cada centavo. Outro dia fiz um discurso em um jantar de gala, em uma cerimônia de premiação, e a conselho de uma colega primeiro passei por uma sessão no cabeleireiro. É algo que nunca havia me ocorrido, porque fui criada para pensar que coisas como essa são tolas e frívolas. Se você aparece com cara de espantalho, que seja.

    Por isso fui ao cabeleireiro para uma operação que consumiu 45 minutos e custou 40 libras. Depois da aplicação de um volume extraordinário de "produtos", e de muitos puxões, lá estava eu com um penteado todo armado. Bingo. Sentia-me invencível. Por uma noite, fui Margaret Thatcher. Ninguém precisa de um life coach ou de roupas criadas para impressionar: a melhor injeção de confiança, direto na veia, é uma sessão no secador.

    A L'Oréal, maior rival da Pantene, encorajou uma geração de mulheres a comprar seus projetos de belezas ensinando-as a dizer: "Porque eu valho muito". Se a Pantene agora quer divulgar seus produtos para as mulheres que trabalham, deveria assinar os anúncios com "porque é um excelente investimento".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    lucy kellaway

    Escreveu até julho de 2017

    É editora e colunista de finanças do 'Financial Times'.

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